terça-feira, 6 de setembro de 2011

Maria Virgem

Disponibilizamos para você uma síntese sobre “Maria Virgem”, do respeitado mariólogo Stefano De Fiores, na obra: Maria en la teología contemporanea. Sígueme: Salamanca, 1991, p. 453-466.

1. Debate teológico sobre a virgindade de Maria (p.453-456)
A idéia da virgindade perpétua de Maria sofreu vacilações nos primeiros séculos e foi negada por Celso, Bonoso e Elpídio. Depois, foi considerado como um dado pacífico da tradição da Igreja. Já Justino (150) a chamava de "a Virgem", e Pedro de Alexandria de "a sempre virgem" (aeiparthenos).
Em tempos recentes, o médico A. Mitterer pôs a questão da virgindade de Maria no parto, sustentando que a ausência de dores e a conservação do hímen não só não pertencem à essência da virgindade, mas também vão contra a verdadeira maternidade (Dogma e biologia da Sagrada Família, Viena, 1952). O Santo Ofício em 1960 se pronuncia, proibindo dissertações sobre o problema.

O primeiro esquema do texto sobre Maria no Concílio Vaticano II afirmava que "permanecia incorrupta e sem mancha a integridade corporal de Maria no mesmo parto". Muitos padres conciliares se posicionaram contra esta "linguagem anatômica" e o texto atual de Lumen Gentium 57 reza que Jesus, ao nascer de Maria, "não diminuiu sua integridade virginal, mas a consagrou". O Concílio deixou assim aberto o caminho para explicações teológicas.
A partir da década de 60, o tema da Virgindade de Maria volta a ser questionada. O "Catecismo holandês" (1966) desloca a afirmação sobre a afirmação literal da virgindade de Maria, sustentando que o seu sentido seria outro: o nascimento de Jesus como dom de Deus à humanidade. Em 1968 uma comissão cardinalícia pede que o texto seja claro sobre o assunto.
Autores isolados também se pronunciaram sobre o tema. H. Halbfas, na obra “Catequética Fundamental” afirma que "o nascimento de Jesus de Maria virgem não se propõe à fé como fato biológico". Caminho semelhante segue H. Küng, na obra "Ser Cristão", ao dizer que a concepção virginal não pertence ao núcleo central do Evangelho e nem deve ser interpretado biologicamente, mas se trata de um símbolo do novo começo realizado por Deus em Cristo. Vários autores na década de 70 consideram a concepção virginal como teologúmeno (uma metáfora teológica, não um fato em si), como por Bauer, O. da Spinotoli, Küng, Schillebeeckx, Evely e Malet. Já J. Pikaza e R. Brown se colocam numa postura eqüidistante do dado histórico-biológico e do teologúmeno.

2. Pressupostos culturais (p. 457-460)
Há dois motivos principais que levaram a questionar a virgindade perpétua de Maria: a desmitização de Bultmann e a depreciação da virgindade.
Bultmann está preocupado em descobrir o significado da mensagem bíblica para o homem moderno, que está fora do horizonte mítico em que foi escrito a bíblia. Trata-se de desmitizá-la, interpretando sua mensagem em chave existencial. No livro “Nuovo testamento e mitologia. Il manifesto della demitizzazione”, Brescia, 1970, p. 117, afirma ele:
"Certas lendas, com as do parto da Virgem e ascensão de Jesus se encontram só esporadicamente; Paulo e João as desconhecem. Mas considerá-las como excrescências tardias não muda em nada o estado das coisas: o acontecimento salvífico conserva a característica de um acontecimento mítico".
Nossa época redescobriu o valor da sexualidade. Para quem reconhece o valor da virgindade, sabe que a questão não reside no hímen, mas na opção pessoal de um amor mais extenso e de um dom que se deve reservar a quem se ama para sempre.
Ora, se a sexualidade e o matrimônio são bons, não há porque se excluir o nascimento de Jesus através deles. Ao contrário, seria até conveniente para a encarnação, que visa aproximar o mais possível o Filho de Deus da humanidade. Além disso, não há concorrência entre Deus e o homem, já que o homem age como mediador de graça, e Deus não age para interferir nas leis da natureza que ele mesmo criou. Por isso Schoonenberg se pergunta se o aspecto biológico da origem de Jesus entra na intenção mesma da fé.

3. Clarificações progressivas (p.460-464)
a) A virgindade de Maria não é uma variante do mito pagão do nascimento milagroso do menino redentor. A base da concepção virginal não reside no mito pagão da teogamia. A concepção de Jesus no Novo Testamenho não é colocada como uma geração por parte de Deus, mas sim uma nova criação. Já Justino, no século, respondia a esta acusação do judeu Trifão (Cf. Justino, Diálogo con Trifón, 66; PG 6, 627). Conforme afirma J. Ratzinger, Introducción al cristianismo, Salamanca, Sígueme, 1987, 6º ed, 238:
"A filiação divina de Jesus não se funda, segundo a fé eclesial, em que Jesus não tenha pai humano. A filiação divina de Jesus não sofreria desvalorização alguma se tivesse necessidade de um matrimônio normal, porque a filiação divina de que fala a Igreja não é um fato biológico, mas ontológico, não é um acontecimento do tempo, mas da eternidade de Deus".
Portanto, o nascimento virginal não prova a divindade de Jesus. Historicamente aconteceu o inverso. O tema da concepção virginal ocupou a reflexão eclesial depois que a afirmação da divindade de Jesus já era aceita sem problemas. "A virgindade de Maria adquire significado somente na órbita da uma cristologia já desenvolvida".

b) A virgindade de Maria não é uma questão aberta quanto ao fato em si. Trata-se de um dogma estável e fundado nas fórmulas de fé, nas definições de Concílios, dos Padres, e do magistério. Permanece uma questão somente no que diz respeito a seu significado na história da salvação e para os homens e mulheres de hoje num contexto cultural próprio.
A concepção virginal é um dado bíblico incontestável. Mateus e Lucas são concordantes nos seguintes aspectos:
- Não é José que engendra Jesus (Mt 1,16.18-25; Lc 1,31.34s; 3,24)
- Jesus é engendrado realmente (Mt 1,20; Lc 1,35), e a forma passiva esconde o sujeito para mostrar o caráter transcendente da origem paterna de Cristo.
- Maria é a única origem humana de Jesus, como virgem que se faz mãe (Mt 1,16-25; Lc 1,27.35).
- A origem divina não se refere ao Pai, culturalmente identificado como princípio masculino, mas ao Espírito Santo, feminino em hebreu e neutro em grego. Exclui-se assim qualquer modelo teogâmico.

c) Deve-se procurar encontrar na virgindade de Maria o sentido do mistério, já aludido por Inácio de Antioquia:
"E permaneceu oculta ao príncipe deste século a virgindade de Maria e seu parto, assim como a morte do Senhor, três mistérios clamorosos (mystêria kraugês: mistério a proclamar em voz alta) que foram realizados no silêncio de Deus" (Ad Eph. 19,1).
A virgindade de Maria continua sendo um mistério, do qual não se tem prova científica, mas somente o testemunho bíblico e eclesial.
O sentido da virgindade de Maria deve excluir alguns argumentos e razões desviantes:
- A incompatibilidade entre sexualidade e sagrado, típico do pensamento semítico,
- A visão de alguns padres que exigem a virgindade de Maria para que Jesus não recebesse o Pecado Original,
- A associação da virgindade com a santidade de Maria, como se ela não pudesse ser mãe de Deus a não ser que fosse Virgem,
- O vínculo entre concepção virginal e divindade de Cristo, confundindo o nível biológico com o ontológico.

4. Significado teológico do dogma de Maria Virgem (p. 464-466)
Cristológico: a concepção virginal sinaliza que Jesus é um ser verdadeiramente novo, o dom gratuito e inexigível de Deus, a nova criação no Espírito. Não se trata de uma demonstração, mas de um sinal eloquente.
Salvífico: A concepção virginal revela que Deus escolhe meios pobres para realizar a salvação (1 Cor 1,17-25). A virgindade de Maria, considerada maldição pelos judeus, foi abraçada por Maria como forma de pobreza (Cf. Lc 1,48). Assim, a salvação vem a nós na disponibilidade ao dom de Deus.
Existencial: A virgindade de Maria é expressão de sua consagração total a Deus.

Imagem: Anunciação, de Murillo.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Evangelhos apócrifos marianos

Os católicos os chamam de “livros apócrifos”, enquanto os protestantes os consideram como “pseudoepígrafos". Trata-se de textos judaicos e cristãos, a grande parte escrita entre o século II antes de Cristo e o século VI da nossa era. Porém, manuscritos posteriores acrescentaram narrações e comentários sobre os textos originais. Assim, é difícil avaliar com certeza a época de redação das versões atuais que chegaram até nós.
Seus autores verdadeiros não se deram a revelar. Para conferir autoridade aos textos, davam-lhes o nome de um personagem reconhecido. Assim, há escritos judaicos apócrifos como Apocalipse de Moisés, Ascensão de Isaías, o I Livro de Adão e Eva (!) que não foram elaborados pelos personagens em questão e não foram incorporados na lista (cânon) da Escritura Sagrada do judaísmo.

Existem por volta de 60 apócrifos cristãos, enumerados entre evangelhos, atos, epístolas e apocalipses. Cada um deles nasceu num contexto histórico, geográfico e cultural, em comunidades cristãs que tinham uma determinada visão sobre Jesus. Interessa-nos aqui um grupo particular de escritos apócrifos que foram classificados como “evangelhos” (embora não mereçam este nome), por utilizar o mesmo recurso narrativo de Mateus, Marcos, Lucas e João. Durante o período em que as comunidades cristãs definiam os livros que fariam parte da Bíblia, eles circulavam nas comunidades e tinham a pretensão de serem inspirados pelo Espírito Santo. Os relatos apócrifos mesclavam narrativas próprias com fragmentos de Lucas e Mateus, dando assim a impressão de que eram somente acréscimos. Mas a teologia era bem outra!

Os “evangelhos apócrifos” não são relatos ingênuos e piedosos, que visam somente saciar a curiosidade sobre detalhes da vida de Jesus e de Maria. Na realidade, são como fragmentos de “ensinos doutrinais” em forma de narração, que apresentam a visão de determinados grupos no cristianismo das origens, visando disseminá-los. Muitos destes grupos, devido à dificuldade em articular de forma correta a humanidade e a divindade de Jesus, foram rejeitados pela Igreja. Seus escritos não foram aceitos como inspirados. Os gnósticos, por exemplo, negavam a salvação efetiva trazida por Cristo, por considerar que o mal reside na ignorância, na falta de conhecimento. Para os gnósticos, Cristo é o ser perfeito que veio libertar o ser humano da sua condição inferior e levá-lo de volta a plenitude. Quem conhece Cristo se torna outro Cristo e não apenas um simples cristão. Por isso, nos apócrifos marianos de influência gnóstica se acentua a divinização precoce da mãe do Senhor, colocando na sombra sua caminhada humana. Outro limite do movimento gnóstico consistia na visão extremamente negativa do corpo.

Vejamos os principais apócrifos que contem referências a Maria.
1. Evangelho do Pseudo-Mateus: datado do século IV, conta o nascimento de Maria e a infância de Jesus, com elementos gnósticos. Narra fatos exagerados e mágicos, sem qualquer fundo histórico. Por exemplo: Maria, vai para o templo aos 3 anos de idade, e lá se destaca desde esse momento como uma “super-mulher”, desempenhando-se em tudo melhor que as outras. O menino Jesus, por sua vez, não aceita nenhum professor para José lhe recomenda, pois afirma orgulhosamente que ele mesmo é o mestre.

2. Evangelho da Natividade de Maria: do século III, narra como foi importante o papel de Maria na história de Jesus. Sob forte influência gnóstica, está repleto de elementos mágicos, como o nascimento de Jesus sem parto real. Conforme alguns pesquisadores, seria o apócrifo mariano mais antigo e estaria na base do Proto-evangelho de Tiago.

3. Proto-Evangelho de Tiago: originado provavelmente no século III, é atribuído a Tiago, o Irmão do Senhor. Apresenta o nascimento de Maria como um fato extraordinário. Ela é filha de um casal estéril: Joaquim e Ana. Descreve-se a consagração de Maria no templo, o casamento com o ancião José (viúvo com seis filhos), a virgindade no parto e outros fatos também narrados por Mateus. Este texto apócrifo influenciou a devoção popular (festa dos pais de Maria no dia 26 de julho) e a iconografia cristã (José como um senhor idoso de barbas brancas).

4. História de José, o carpinteiro: remonta ao século IV ou V, do Egito. Os manuscritos que restaram são posteriores. Narra-se a história de José, contada por Jesus aos Apóstolos no Monte das Oliveiras. E, naturalmente, Maria aparece em vários relatos: a vida no Templo, o casamento com José, o natal em Belém, a fuga para o Egito, sua aflição diante da morte de José.

5. Evangelho armênio da Infância: reflete sobre a relação de Maria com o menino Jesus, e afirma que ela concebeu do Espírito Santo pela orelha! Maria é colocada como a nova Eva e mãe da humanidade. Originalmente, escrito no século VI.

6. Trânsito de Maria do Pseudo-Militão de Sardes: narra a morte, a ressurreição e assunção de Maria. Possivelmente originário do século IV, embora os melhores manuscritos datem do século VIII.

7. Livro de São João evangelista, o teólogo, sobre a passagem da santa mãe de Deus: do século IV este texto conta os detalhes da morte de Maria e sua assunção num domingo.

8. Livro de São João, arcebispo de Tessalônica: organizado em forma de homilia, o texto discorre sobre a festa da Assunção de Maria, porém sem os exageros típicos dos apócrifos. Datado provavelmente no século IV, teve grande influência na devoção mariana posterior.

Circula atualmente um apócrifo contemporâneo, intitulado “O evangelho secreto da Virgem Maria”. O núcleo da obra é atribuído a uma cristã espanhola do século IV, chamada Etéria. Provavelmente de origem medieval, o texto foi adaptado e completamente reelaborado pelo escritor espanhol Santiago Martín. É um relato romanceado, repleto de narrações tipicamente contemporâneas. Pode ser uma boa obra literária, mas não se presta para subsidiar a mariologia.

Por que os apócrifos constituem somente recurso suplementar para a mariologia? Por falta de consistência histórica e de coerência teológica.
As pesquisas arqueológicas e documentais atestam que grande parte das narrações apócrifas não tem fundamento histórico. Foram simplesmente inventadas, visando transmitir uma mensagem. É inconcebível a euforia dos pais de Maria por ocasião do nascimento da menina, narrada pelo apócrifo “Protoevangelho de Tiago”, pois na cultura judaica se esperava sempre o primogênito homem. Quando vinha à luz uma menina, era motivo de tristeza para a família! Da mesma forma, não se pode afirmar que Maria viveu no templo de Jerusalém como virgem consagrada, desde os oito até os doze anos de idade, como sustentam vários apócrifos, pois não havia este costume no tempo de Jesus.

Mais grave é a questão teológica. Vários apócrifos sustentam uma visão equivocada de Jesus, negando claramente sua dimensão humana e o realismo da encarnação. E tal percepção se estende a Maria. A narração do parto virginal de Jesus, no “Evangelho da infância de Maria”, está carregado de elementos mitológicos, negando que o Filho de Deus “se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14)! Há inúmeras cenas mirabolantes, que não condizem com o perfil de Cristo nos evangelhos, como aquela no qual o menino Jesus provoca a morte de uma criança que lhe desafia, ou sopra sobre um pássaro de barro e este começa a voar.

No entanto, os apócrifos marianos exercem enorme fascínio! Em primeiro lugar, devido à forma narrativa, breve e de agradável leitura. Além disso, vai ao encontro de uma espiritualidade devocional maximalista, que exalta Maria ilimitadamente. Quem procura uma “super-Maria”, cheia de poderes humanos e divinos, encontrará nas narrações apócrifas argumentos para reforçar sua visão. Ademais, os apócrifos reforçam a tendência de buscar na religião aquilo que é espetacular, milagroso, extraordinário. Por fim, parece responder a uma necessidade das pessoas de buscar mais informações sobre a vida de Maria, que os evangelhos não fornecem.

A esse respeito, o Ir. Aleixo Autran, grande mariólogo brasileiro falecido na década de 80, costumava dizer que se Deus não nos deu mais informações sobre a vida de Maria na Bíblia, é porque “não era necessário para nossa salvação, nem para a sã devoção”. Por isso, não convém buscar em outros textos, de origem duvidosa, conhecimentos sobre aquilo que Deus mesmo achou por bem não manifestar.

Afonso Murad.
Ver a descrição dos apócrifos marianos em: Jacir de Freitas Faria, História de Maria, mãe e apóstola de seu Filho, nos Evangelhos apócrifos. Vozes, p. 14-28.

domingo, 14 de agosto de 2011

Maria Mãe de Deus

Sentido teológico e antropológico do Dogma da Theotókos

O Filho de Deus nasceu de mulher, recebeu dela uma carne como a nossa, uma substância como a nossa. A compreensão do mistério de Jesus, o Filho de Deus feito homem, comportava uma forma peculiar de entender a maternidade de Maria. A Igreja confessou - em sua ortodoxia - que Jesus é o Filho de Deus, consubstancial ao Pai e consubstancial a nós, em unidade de pessoa. Por isso, dada a intercomunicação entre sua natureza divina e humana (comunicação de idiomas), Maria é autêntica Theotokos.

Portanto, no dogma da Theotokos é ressaltada Maria como Mãe de Deus segundo a carne, o que significa superar o dualismo da filosofia helenística e introduzir pessoalmente a Deus na humanidade concreta e em sua história, rompendo dessa forma com toda concepção espiritualista. Na afirmação de que Maria é mãe histórica de Jesus, Filho de Deus, não pode existir idealismo nem separação de corpo e espírito. Esse dogma nos situa no coração da realidade humana, que nasce e se expressa sempre em concreto, abrindo-se dessa forma ao dom da vida e ao destino da morte.

O dogma de Maria, Mãe de Deus, inscreve-se no caminho que vai de Niceia (Jesus tem natureza divina) a Calcedônia (Jesus tem natureza divina e humana). Afirma que Jesus é Deus transcendente sendo um homem concreto. Este é o dogma, o princípio fundamentador da fé que ilumina a história humana ao afirmar que Deus existe e se identifica com um homem concreto, com sua própria carne e sangue, ou seja, com sua humanidade marcada pelo nascimento e a morte.
De tal modo isso é verdade que Deus acaba sendo revelado como a vida originária que se encarna por Maria na carne concreta da história. Por isso, buscar a Deus é descobrir sua presença na própria história e na realidade humana, nos acontecimentos que se sucedem no âmago da história. Eis o que manifesta o Concílio de Éfeso por meio do dogma cristão da Thetokos, dogma que nos leva além de qualquer intenção espiritualista.

Com respeito à proclamação de Éfeso, observamos:
- A maternidade divina acontece, segundo Éfeso, no momento do processo genético da concepção e do parto. Qualquer outro aspecto concernente ao desenvolvimento psicológico e pedagógico da maternidade, como a relação entre mãe e filho, é estranho às preocupações em que se desenvolveu o Concílio.
- A reflexão teológica de Éfeso, mais do que ilustrar as diversas perspectivas bíblicas da maternidade de Maria, se detém no prólogo de João e na referência de Paulo aos Gálatas (4,4-5).
- O documento carece de toda referência ao Espírito Santo e a sua ação na maternidade divina.
- A partir da proclamação da Theotokos, foi esquecida durante um período longo a realidade humilde e evangélica de Maria como serva do Senhor.

Este dogma não pretende resolver problemas sobre a família de Jesus, a concepção virginal ou a mediação mariana; apenas ressalta algo que estava na raiz do evangelho e constitui o pressuposto de todas as cristologias e mariologias: o Verbo de Deus se fez carne em Jesus; Maria é Mãe de Deus em sua função concreta - histórica, pessoal, frágil e arriscada - de gerar e acompanhar educacionalmente Jesus, o Cristo.

A formulação original relativa à maternidade divina de Maria teve um lento e gradual desenvolvimento, tanto em sua terminologia como em seu conteúdo. Enquanto que nos três primeiros concílios o tema aparece como um corolário da encarnação do Verbo, o Concílio Vaticano II engloba o mistério total da pessoa e da missão de Maria. Em Éfeso e Calcedônia, a preocupação era esclarecer a legitimidade e a propriedade da Theotokos; em Constantinopla e no Vaticano II, foi desenvolvida a perspectiva e a finalidade da encarnação* como acontecimento salvífico. A maternidade divina e salvífica foi lida e aprofundada no Vaticano lI, que indicou novas perspectivas, dimensões e critérios que iluminam a reflexão teológica.

A maternidade de Maria nos fala da vocação da humanidade à fecundidade plena, e da recuperação do corpo como condição em que convergem o querer de Deus e o desejo humano. Pode, também, nos proporcionar as diretrizes de uma evangélica libertação feminina, onde o masculino e patriarcal renuncie ao desejo de domínio e poder baseado na prepotência e na violência do mais forte, que falsifica e perverte as estruturas, organizações e instituições de qualquer tipo.

Maria em sua função maternal não é a imagem de uma mulher submetida, dependente, nem de uma deusa, e sim a imagem da pessoa que foi a mais próxima e mais unida ao divino por ter sido plenificada pelo Espírito Santo, e por encarnar o Verbo de Deus. Sua vida nos desafia a despertar o sentimento maternal como atitude que permite a outras pessoas viver e crescer, que respeita a liberdade e a responsabilidade das outras.

A partir dessa atitude de ser-em relação, que dá a vida de maneira fecunda e ativa, a mulher e o homem podem crescer no terreno das relações e da mútua dependência, e em autonomia humana. O processo maternal de Maria, que também inclui o Magnificat, chama-nos a resistir aos poderes dominantes a partir da criatividade que nasce do amor. Assim, a maternidade de Maria, a Theotokos, pode ser inspiração tanto para a mulher como para o homem.

(Clara Temporelli, Maria. Mulher de Deus e dos pobres. Releitura dos dogmas marianos. São Paulo: Paulus, 2010, p. 70-75)

sábado, 6 de agosto de 2011

Culto a Maria

Estive em Recife, num curso de canto pastoral em torno da pessoa de Maria, promovido pela UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco). Partilho com você alguns eslaides sobre o tema do culto a Maria, que já desenvolvi com vários grupos em diferentes lugares do Brasil. O conteúdo está detalhado no livro "Maria, toda de Deus e tão humana", Paulinas, capítulo 8 (Maria na devoção popular e na liturgia).













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quarta-feira, 20 de julho de 2011

Maria no coração da Evangelização

Segue abaixo o esquema da conferência conclusiva do Simpósio de Mariologia, intitulada "Maria no coração da Evangelização". Esperamos que em breve seja disponibilizado em vídeo no Youtube.
(Para ampliar, clique com mouse esquerdo sobre o eslaide. Para salvar no seu computador, use o botão direito do mouse: "salvar imagem como").























segunda-feira, 18 de julho de 2011

Simpósio Mariano - Conferencia de abertura

De 17 a 20 de julho, acontece em Sáo Paulo, no Colégio Arquidiocesano, o Simpósio de Mariologia, promovido pela UMBRASIL (União Marista do Brasil). Na Conferência de abertura, apresentei alguns elementos gerais sobre a mariologia, enquanto parte da teologia, e suas tarefas para hoje. Segue abaixo o esquema dos eslaides, sobretudo para os 200 participantes do evento. (Afonso Murad)







domingo, 10 de julho de 2011

Quem é a mulher, em Apoc 12?

A mulher que aparece aqui, no último livro da Bíblia, é aquela de que se fala na primeira página da Bíblia, em conflito com a serpente (Gn 3,15). É Eva, a primeira mulher. É também a humanidade toda enquanto gera filhos que lutam contra as forças da morte e da maldição. É o povo de Deus, chamado a defender a vida humana, transmitir a benção de Deus a todos os homens e mulheres (cf. Gn 12,1-3) e consertar o mundo estragado pela maldição. A mulher (também) é Nossa Senhora, em que se afunilou toda esta luta contra a maldição e a morte. É Maria, a moça humilde e pobre de Nazaré, enquanto gera o menino Jesus, esperança de libertação para todos.

Esta mulher, gritando em dores de parto, representa a esperança de vida que existe no coração de todos, sobretudo dos pobres. Esperança, ao mesmo tempo, frágil e forte. É frágil como a mulher na hora de dar à luz: não tem defesa, nem pode lutar, pois está totalmente entregue a doar a vida nova a um novo ser humano. Mas, por isso mesmo, ela é forte, o ser mais forte do mundo! Sem as mulheres frágeis com coragem de dar à luz, a vida já teria cessado sobre a face da terra e nós não teríamos nascido.

Aquela luta, anunciada por Deus, desde a primeira página da Bíblia, atinge agora o seu ponto decisivo em Maria que dá à luz ao menino Jesus. Maria representa todas as mães que geram filhos e que garantem, assim, o futuro da humanidade. (Representa também) as mães que lutam para transmitir aos filhos a sua esperança, a sua vontade imensa de ser gente. Simboliza todas as pessoas que acreditam no bem e na vida, que lutam para que a vida possa vencer a maldição que entrou no mundo pela serpente. Ela representa sobretudo o “povo humilde e pobre que busca a sua esperança unicamente em Deus” (Sf 3,12)

Sintetizado de: Carlos Mesters, Maria, a mãe de Jesus.Vozes, 3ed, 1987, p.76-77.