Há muitas coisas na vida, que desfrutamos de forma positiva, se são
cultivadas na medida certa. O livro “comer, rezar e amar”, depois transformado
em filme, conta a história de uma mulher em busca de felicidade, que descobre
lentamente a dosagem adequada de diferentes aspectos da sua existência. Com a
devoção a Maria também é assim. Muito boa, sem dúvida, se vivida de maneira
equilibrada.
Os nossos
bispos, reunidos na sua 5ª Conferência Latino-Americana e caribenha, acontecida
em 2007 em Aparecida do Norte, discutiram e escreveram sobre a Evangelização na
realidade atual. E, claro, falaram também sobre Maria. O “Documento de
Aparecida”, que reúne as conclusões deste encontro, começa reconhecendo a
presença da mãe de Jesus na Assembleia. Ele reconhece, com gratidão: “Maria ,
Mãe de Jesus Cristo e de seus discípulos, tem estado muito perto de nós,
tem-nos acolhido, tem cuidado de nós e de nossos trabalhos, amparando-nos ( na
dobra de seu manto, sob sua maternal proteção”. E os bispos suplicam a Maria que
“como mãe, perfeita discípula e pedagoga da evangelização, Ela nos ensine a ser
filhos em seu Filho e a fazer o que Ele nos disser”.
Conforme do
documento de Aparecida, a devoção a Maria tem muitas características positivas:
“Em nossa cultura latino-americana e caribenha conhecemos o papel que a
religiosidade popular desempenha, especialmente a devoção mariana, contribuindo
para nos tornar mais conscientes de nossa comum condição de filhos de Deus e
dignidade perante seus olhos” (DAp 18). A piedade popular, fortemente mariana,
deve ser assumida na evangelização, pois ela “penetra a existência pessoal de
cada fiel. Nos diferentes momentos da luta cotidiana, muitos recorrem a algum
pequeno sinal do amor de Deus”, como o rosário ou uma imagem de Maria. Neste
sentido, “a fé encarnada na cultura pode penetrar cada vez mais nos nossos
povos, se valorizarmos positivamente o que o Espírito Santo já semeou ali” (DAp
262).
No entanto, a
piedade mariana não é um ponto final. E sim um ponto de partida, para que a fé
amadureça e se faça mais fecunda. Dizem
os bispos: “é preciso ser sensível à devoção popular, perceber suas dimensões
interiores e seus valores inegáveis” e assumir sua riqueza evangélica. Mas devemos
também corrigir os desvios e exageros da devoção. “É necessário evangelizá-la
ou purificá-la (DAp 262). Mais ainda. Não basta continuar repetindo aquilo que
a comunidade recebeu no passado. É preciso dar novos passos. Entre outras
coisas, o documento de Aparecida sugere: conhecer a vida de Maria e dos santos, para se
inspirar no seu jeito de ser e agir. Além disso, intensificar o contato com a
Bíblia, a participação na comunidade e o serviço do amor solidário (cf. DAp
262).
Com é a intensidade de sua devoção a Maria? Se você descuidou de
cultivar o amor à Mãe de Jesus, retome-a. E, se por acaso você exagerou,
lembre-se que Jesus é o centro de nossa fé. A ele seguimos, com ele caminhamos,
no Espírito Santo, neste mundo. A vida não é somente devoção, mas também
trabalhar, divertir, construir relações, exercitar a cidadania, cuidar do
planeta. E no campo religioso, como relembram nossos bispos, a devoção deve ser
completada com a leitura da bíblia, a participação na comunidade e a prática da
caridade e a luta por um mundo melhor. A devoção a Maria, na medida certa, nos
ajuda a amar e seguir a Jesus, com intensidade e alegria.
(Ir. Afonso Murad - Publicado na Revista de Aparecida)
2 comentários:
É interessante notar o esforço no artigo por situar a Maria como aquela que nos conduz a seu Filho, tal como os bispos reunidos em Aparecida tentaram comunicar à Igreja latino americana e caribenha. Estes esforços respondem a algumas exagerações na devoção mariana que acabam esquecendo que a verdadeira identidade de Maria é cristo-centrica (referida a Cristo) dai que o titulo mais propicio para ela é a de perfeita discípula. Mas tudo isto, não é meramente uma reflexão externa que se faz e se coloca sobre Maria, senão que ela mesma manifesta sua identidade, especialmente no evangelho de Lucas.
Ela já desde primeira hora se apresenta como a serva do Senhor (cf. Lc 1, 38) e logo já esta indo a ajudar a Isabel no parto (cf. Lc 1, 39ss). Não se imobiliza com situações difíceis como viajar grávida (cf. Lc 2, 3-5) ou mesmo dar a luz sem ter uma sala para isso (Lc 2, 7). Ela parece observar tudo sob a luz daquele anuncio, e assim recebe aos estranhos visitantes quando da à luz a Jesus (cf. Lc 2, 16) guardando e meditando todo em seu coração (cf. Lc 2, 19). Mas cabe perguntar, onde está Jesus? Porque ela seria a perfeita discípula? Maria apresenta as disposições de um cristão e por isso tem uma grande proximidade com o povo latino americano e caribenho. Cada atitude de Maria aponta a Cristo, em quem alcançam sua plenitude. É Jesus o Servo de Deus, quem vem na ajuda dos oprimidos (cf. Lc 4, 16ss), quem no meio de situações difíceis carrega a palavra cheia de vida (cf. Lc 12, 4-7), quem convida a um nascimento desde o Espírito (cf. Jo 3, 1ss), quem esta aberto para acolher às pessoas (cf. Lc 4, 40-41), quem compreende sua vida como fazer a vontade do Pai (cf. Lc 22, 42).
Maria é a mulher que nos põe no caminho de Jesus, ela ensina a caminhar ao cristão como seguramente lhe ensinou a seu filho. Mas o caminhar do cristão, como aprendemos de Maria, é Cristo. Justamente aí ela ganha todo seu valor, e compreende-se sua proximidade com um povo latino americano e caribenho que em sua grande maioria padece a pobreza, ainda mais as mulheres, pois encontra em Maria um exemplo maravilhoso para caminhar ao modo de Cristo, transformando a morte em vida. A devoção mariana é originariamente uma devoção cristã.
O texto apresentado pelo Ir. Afonso Murad é muito pertinente para a nossa vivência da fé e prática pastoral. A dificuldade encontrada consiste em saber e experimentar qual é o lugar que ocupa Maria na nossa vida de fé. Como bem nos lembra Ir, Murad, não podemos cair nos extremismos, ou seja, não dar a importância necessária à figura de Maria na história da salvação, nem cair em práticas devocionais exageradas. Como bem ressalta o documento de Aparecida, Maria tem uma importância fundamental na nossa vivência de fé. Ela não só se colocou na escola do discipulado para se deixar forjar segundo o projeto de Deus, mas ela também nos serve de exemplo de discipulado, nos animando a continuar sempre seguindo o seu Filho Jesus. Enquanto jesuíta, eu percebo que nos Exercício Espirituais de Santo Inácio de Loyola, Maria tem um lugar equilibrado na experiência espiritual. Ela sempre é invocada por Santo Inácio para que nos coloque com o seu Filho. Ela tem a missão de nos colocar em relação com Jesus. Um outro momento importante de Maria nos Exercícios Espirituais é quando S. Inácio sugere que se contemple a aparição de Jesus Ressuscitado à sua Mãe. [EE.EE. 299].
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