Maria é a única pessoa presente nos três ciclos. Ao lado de Zacarias, Isabel e João Batista, Simeão e Ana, abre caminho para o Salvador, enquanto mãe do Messias. No tempo de Jesus, faz parte do grupo de seus seguidores, como exemplo de discípulo, que escuta, medita e põe em prática a palavra de Jesus. Por fim, enquanto membro da comunidade cristã, inaugura o tempo da Igreja, em Pentecostes. Aí se encontra a última referência a Maria, na obra de Lucas.
O Espírito Santo age em cada ciclo e faz o elo dos três tempos desta “história de salvação”. Na etapa da preparação, o Espírito é o poder de Deus que conduz as pessoas a Jesus. Pela ação do Espírito, personagens dos relatos de infância prenunciam a ação futura do Messias. Isabel, ao receber Maria grávida, fica repleta do Espírito (Lc 1,41) e profetiza sobre Maria. Simeão, que representa o povo de Israel ancião, tem o Espírito sobre ele e vai ao templo impelido pelo mesmo Espírito (Lc 2,25.27). João Batista anuncia que Jesus batizará no Espírito e no fogo da conversão (Lc 3,16). Neste contexto, Maria é especialmente contemplada pelo Espírito Santo. Torna-se mãe do Salvador por sua ação criadora. Há uma relação clara da ação do Espírito na Anunciação com dois momentos-chave na missão de Jesus: o batismo (Lc 3,21) e a transfiguração (Lc 9,34), nas quais o Pai revela sua identidade de Filho.
“O Espírito virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra, e por isso aquele que vai nascer será santo e chamado Filho de Deus” (Lc 1,35).
“Então o céu se abriu; o Espírito Santo desceu sobre ele (...) e uma voz veio do céu: Tu és meu filho, eu hoje te gerei” (Lc 3,21s).
“Sobreveio uma nuvem que os recobria (...) E uma voz fez-se ouvir da nuvem: Este é o meu Filho, aquele que eu escolhi, ouvi-o” (Lc 9,34s).
Nos três relatos, há uma palavra explícita de Deus sobre Jesus, como seu Filho. Há uma imagem comum na anunciação e na transfiguração, na qual uma nuvem desce sobre os discípulos e os cobre com sua sombra (Lc 9,34). Isso significa: envolver, proteger, revestir com a glória divina. Pode-se ver uma analogia com a figura da nuvem que cobre a “Tenda do encontro”, que acompanhava o Povo de Deus na sua peregrinação no deserto, rumo à terra prometida (Ex 40,35.37). Mais tarde, a tradição cristã releu este versículo, considerando Maria como a nova tenda do encontro, na qual, pela força do Espírito, Deus se encontra com a humanidade, por meio da encarnação de seu Filho.
O Espírito age em Maria não somente no processo de encarnação do Filho de Deus, mas também na sua fé, dando-lhe a força para acolher o mistério divino, fazer-se serva e peregrinar como discípula do Senhor.
O Espírito atua em Jesus. Leva-o ao deserto para ser tentado (Lc 4,1), dá-lhe a força e poder de agir e pregar (Lc 4,14.18). No tempo da Igreja, o Espírito é o poder de Deus que o ressuscitado concede aos que crêem (At 1,8; 6,8; 10,38). Atualiza a presença de Jesus no mundo. Pelo Espírito, os seus seguidores operam maravilhas como Jesus: curar, perdoar, dar vida aos mortos, mover paralisados, expulsar as forças do mal, enfrentar os poderosos sem medo (At 3,6-10; 4,8-10). A comunidade vive desafios radicalmente novos, como a entrada dos pagãos no grupo dos seguidores de Jesus. É necessário arriscar e discernir a vontade de Deus, iluminada pelo Espírito, como acontece no Concílio de Jerusalém (At 15). Na força do espírito, os cristãos enfrentam o sofrimento, a perseguição e a morte (At 12,1-5).
Maria participa da ação criadora do Espírito, individualmente, no seu próprio corpo. E toma parte da ação coletiva do Espírito, em Pentecostes. É membro eminente no mistério da encarnação, é membro discreto no mistério da expansão do Espírito a todos os povos.
Em muitos lugares do mundo, redescobre-se hoje a força atual do Espírito Santo na vida dos cristãos. Neste contexto Maria aparece como a figura realizada do ser humano, que se deixa moldar pelo Espírito. Nela o Espírito habita, faz morada, tocando sua corporeidade, sua subjetividade, seus desejos, sua ação. Esta percepção tão bela não deve dar azo a visões individualistas e espiritualistas. Pois, Maria, templo do Espírito, é profetiza da justiça e da misericórdia de Deus na história. Ela simboliza tanto a humanidade espiritualizada, quanto os que se empenham na luta pela cidadania planetária, na qual se rompe a lógica da exclusão, e se incluem os seres humanos nas diferentes etnias, gêneros, classes sociais, povos e nações, e todos os seres criados, do reino mineral, vegetal e animal. O Espírito, que dá a vida, nos anima a lutar pela defesa, pelo cuidado e pela recriação da vida, especialmente onde ela está mais ameaçada.
Fonte: A.Murad. Maria, toda de Deus e tão humana. Paulinas