terça-feira, 29 de maio de 2018

Os múltiplos sentidos da Visitação


O relato bíblico da visita de Maria a Isabel, que culmina com o canto do Magnificat (Lc 2,39-56), tem fascinado gerações e suscitado diversas interpretações. O que nos revela este encontro de duas mulheres grávidas, de diferentes gerações, unidas pela mesma esperança? Apresentaremos aqui algumas “chaves de leitura”, que se completam, como uma narração de diversos olhares, ou uma música polifônica, a muitas vozes.

Maria missionária
Logo após dizer seu “sim”, a jovem de Nazaré parte apressadamente para a região montanhosa onde vive sua parenta Isabel. O gesto fala por si. Diz de um deslocamento geográfico e existencial, que é deixar sua casa em Nazaré e ir ao encontro de outra pessoa. Afinal, naquele tempo, uma gravidez em idade avançada comportava riscos e exigia cuidados especiais. E lá vai Maria, a serva do Senhor (Lc 1,38) servir à Isabel, com o coração transbordando de alegria (Lc 1,28). Evangeliza pelo simples gesto de ser solidária.
No mundo marista, este texto, acompanhado de uma gravura, ganhou relevância no último Capítulo Geral. “Com Maria, rumo à Nova Terra” resume um apelo forte aos Irmãos e leigos(as). Ele se traduz por várias atitudes pessoais e gestos coletivos, como adotar um estilo de vida mais simples, cultivar relações de qualidade, simplificar as estruturas de animação e governo e, sobretudo, correr ao encontro das crianças e jovens mais necessitados. Assim, Maria é para nós não somente a “Boa Mãe” que nos acolhe carinhosamente nos braços, mas também a educadora que nos desafia a sair da comodidade e abrir novos caminhos. Especialmente neste tempo de “novo começo”, no qual se celebram os 200 anos do Instituto.

A reciprocidade da fé
Naquele tempo, mulheres grávidas, parturientes e com recém-nascidos eram ajudadas por outras mulheres. Em geral, pessoas maduras e com experiência, que já tinham dado à luz filhos e viviam nas redondezas. Porque Isabel precisaria de uma adolescente que, além de vir de outra região, não sabia nada a respeito de gravidez e de parto? Além disso, segundo Lucas, Maria teria deixado Isabel logo após o parto (Lc 1,56), quando uma mãe idosa poderia precisar muito dela.
Segundo L. Sebastiani (Maria e Isabel. Ícone da solidariedade), Maria foi à procura de Isabel movida pelo desejo de aprofundar, mediante o diálogo, o conhecimento da revelação que tinha recebido. Ou seja: para confirmar e ser confirmada na sua opção. A viagem à Judeia é um símbolo do caminho da fé, que precisa ser testemunhada e compartilhada. Ao mesmo tempo, Maria veio para servir e para aprender. Assim, dizer sim a Deus comporta promover encontros humanizantes e nutrir-se com eles.  Suscitar relações. A Palavra de Deus de Deus, comunicada por Gabriel, ouvida com autenticidade em Maria, é profundamente criativa e dialogante.
Esta segunda perspectiva da visitação, que é o da reciprocidade, nos coloca com mais lucidez e humildade no meio do Povo de Deus. Saímos do pequeno mundo das nossas certezas, dos lugares conquistados, e arriscamos a estabelecer relações novas, nas quais aprendemos e ensinamos. Não é este o primeiro sentido da “parceria” de Irmãos e leigos?

O encontro intercultural e intergeracional
 O biblista A. Casalegno mostra que o encontro de Isabel com Maria é tecido no evangelho de Lucas como uma antecipação do relacionamento de João Batista com Jesus. O primeiro representa o Povo de Israel, que anseia pela vinda do Messias. Batista prepara os caminhos do Senhor (Lc 1,76). Traz as conquistas do passado, a memória de uma longa história construída por muitas gerações. Isabel e João Batista sinalizam o lado positivo da tradição, que não é o tradicionalismo vazio e agarrado no passado. Já Maria e Jesus significam o novo tempo que irrompe, a realização da esperança. O futuro aberto com múltiplas possibilidades.
Um dos grandes desafios da educação e da evangelização nos tempos atuais consiste em promover o encontro de João Batista com Jesus, de Isabel com Maria, revertendo o tempo cronológico em tempo de Graça (Kairós). Como? resgatar o passado, aprendendo da história. E aceitar o ocaso de determinadas formas de existir que foram excelentes, mas se esgotaram. Ao mesmo tempo, acolher a novidade do Reino de Deus que irrompe em Cristo, no meio da ambiguidade das realidades humanas. Isabel e Maria sinalizam também o encontro da diversidade cultural e geracional, com seus desafios e enormes possibilidades.

Louvor e consciência planetária
O encontro de Maria com Isabel culmina com um Hino de Louvor, denominado “Magnificat”. Esta primeira palavra da versão latina significa: engrandecer ou cantar as maravilhas de Deus. Baseado no Cântico de Ana, mãe de Samuel (1 Sm 2,2-10), o magnificat começa com uma explosão de louvor e alegria: “Minha alma glorifica o Senhor, meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador” (Lc 1,46-47). Expressa algumas características de Maria, como a inteireza, a humildade e a gratidão a Deus. Neste sentido, a visitação nos ensina que os processos pastorais, educativos e sociais dos maristas devem estar marcados por esses traços. Tais processos não se bastam a si mesmos. Reconhecemos as conquistas, mas rompemos os círculos egoístas, orgulhosos e autossuficientes. Como Maria, dizemos: Sim, o Senhor faz em nós maravilhas! Mas não retemos estes méritos para nós. Só ele é Santo (Lc 1,49). A bondade de Deus vai muito além dos nossos muros e da nossa religião, estendendo-se para um mundo sem fronteiras, para todos aqueles que o respeitam e o amam (Lc 1,50).
Por fim, o Cântico de Maria proclama, de forma profética, que a adesão ao projeto de Deus implica algo mais do que encontros interpessoais. No dizer do Papa Francisco, o amor é também civil e político, manifestando-se em todas as ações para construir um mundo melhor. O amor à sociedade e o compromisso pelo bem comum são uma forma eminente de caridade (Laudato Si, 231). Juntamente com os pequenos gestos diários, o amor social impele-nos a grandes estratégias que detenham eficazmente a degradação ambiental e incentivem uma cultura do cuidado, permeando toda a sociedade. A vocação para intervir juntamente com os outros nas dinâmicas sociais, faz parte da espiritualidade, é exercício da caridade, que amadurece e santifica o cristão (Idem). As ações comunitárias (e institucionais), quando exprimem um amor que se doa, transformam-se em experiências espirituais intensas.
Assim, o encontro de duas mulheres grávidas no interior da Palestina, numa terra sem nome, expressa hoje um grito pela consciência planetária. O cuidado recíproco de Maria e Isabel, numa pequena casa, se amplia para cuidar do Planeta, nossa Casa Comum!

Que a visita de Maria a Isabel nos abra caminhos novos de interpretação e vivência da fé, tais como a interpelação à missão, reciprocidade nas relações, encontros nas diferenças, louvor e compromisso no cuidado da Casa Comum. Colocamo-nos assim, com encantamento e esperança, no caminho do seguimento de Jesus.

Ir. Afonso Murad

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Mês de Maio

Em muitos lugares do nosso país, o mês de maio é dedicado a Maria. Quem não se lembra da coroação de Nossa Senhora, com flores, cantos e a presença encantadora das meninas? Esta tradição foi trazida da Europa. Lá, o mês de maio tem um sabor especial. No inverno rigoroso, as árvores perdem as folhas. Vem a neve. Mas neste mês ensolarado e com dias longos, a natureza refloresce. Folhas verdes nas árvores, muitas cores e cheiros de flores, pássaros e as primeiras colheitas. Tudo renasce. É bem diferente do nosso país, onde nesta época começa o frio do inverno ou há muita chuva.

Lá na Europa, faz muito tempo, antes do cristianismo chegar lá, no mês de maio faziam-se festejos em honra da deusa da vegetação, com cantos, danças e o cortejo de jovens que levavam ramos floridos. Tanta beleza se ligava também às declarações românticas entre os namorados. E festas com música, dança e recitação de poesia. Mesmo depois da cristianização, alguns destes ritos pagãos permaneciam no meio do povo. Então, com o crescimento da devoção mariana, em vários lugares estas festas deram lugar a uma homenagem especial à Maria. Em vez do louvar a deusa-mãe da natureza, se promoveu a veneração à Nossa Mãe Maria.

Tem-se notícia que aproximadamente pelo ano 1250, o rei Afonso X (na atual Espanha) associou o mês de maio à figura de Maria. Nos cânticos daquela época, louva-se a Deus pela abundância da natureza e pede-se a Maria que ela conceda a todos bênçãos materiais e espirituais. Trezentos anos mais tarde, São Filipe Neri ensina os jovens a homenagear a Mãe de Jesus, ornando sua imagem com flores, cantando louvores e também realizando gestos de conversão a Deus. E assim a devoção foi crescendo e se espalhando, de acordo com as características de cada região. Dedicar um mês a Maria se tornou uma tradição. Além de ladainhas e cantos, se firmou a prática da coroação de Maria, utilizando uma coroa de rosas. E no fim do mês, a oferta de um coração de prata, como expressão de no amor para com ela.

No Brasil, o mês de maio está associado ao dia das mães, no segundo domingo. Este feriado civil é recente e se tornou oficial em 1932. Então, se presta homenagem às nossas mães e também a Maria, a mãe de Jesus. Em muitos lugares se reza o terço com mais intensidade. As meninas coroam Maria a cada domingo, após a missa. Esta bela festa é uma oportunidade de nos deixar tocar pelo encanto e a beleza das crianças, a serem cuidadas e educadas. Reconhecemos com alegria que Maria é mãe amorosa e a rainha que permanece como servidora, conduzindo tudo e todos a Jesus.

Uma sugestão para você e sua comunidade: durante o mês de Maio, leiam sobre Maria na Bíblia, especialmente nos relatos de Lucas e João. Descubram as qualidades humanas deste mulher de Nazaré, que inspiram nossa vida de discípulos missionários de Cristo. Não se contentem em rezar o terço e fazer coroação. Precisamos conhecer mais sobre a mãe de Jesus, a partir da Bíblia. Assim, nossa devoção permanecerá equilibrada e estará ancorada na Palavra de Deus.

Recordemos as palavras do Papa Francisco: “Maria é a missionária que se aproxima de nós, para nos acompanhar ao longo da vida, abrindo os corações à fé com o seu afeto materno. Como uma verdadeira mãe, caminha conosco, luta conosco e aproxima-nos incessantemente do amor de Deus” (Alegria do Evangelho, 286).