
Talvez Lucas não tivesse clara essa intenção, mas o povo, ao ler o texto da visitação, descobre que Maria é missionária. Transbordando da graça de Deus, não quer retê-la para si. Vai partilhar com sua parenta, de idade avançada, que está grávida e necessita de cuidados. Discretamente, ela já leva Jesus para os outros. Isabel sente logo o resultado. O feto se movimenta dentro dela. Quando se saúdam e se abraçam, o Espírito Santo inunda o ambiente e elas transbordam de alegria. Maria está cheia de Deus. Isabel também. Nessas duas mulheres grávidas se encontram, em semente, seus filhos João Batista e Jesus. Já estão, lado a lado, o precursor e o messias, o que prepara e o que realiza a Boa-Nova, o profeta de Deus e o Filho de Deus. Que lindo encontro! Isabel proclama: “Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre”(Lc 1,42).
Lucas coloca na boca de Isabel um louvor que faz eco de duas passagens das Escrituras Judaicas nas quais se reconhece a participação especial de mulheres no Povo de Deus. Em Juízes 5,24, se bendiz a Héber, por lutar contra a opressão dos cananeus, golpeando o homem Sísara. Em Judite 13,18-20 se louva Judite, que com coragem e estratégia, eliminou o general do exército da Assíria, Holofernes. Maria é colocada assim dentro da história das mulheres fortes do povo de Israel, que contribuíram para mudar a sorte da sua nação.
“Bendita” significa um louvor à pessoa e reconhecimento que ela é destinatária da benção e do favor de Deus. Reforça o sentido das expressões “cheia de graça” ou agraciada (Lc 1,28) e “encontraste graça diante de Deus” (Lc 1,30), do relato da anunciação. Bendita entre as mulheres quer dizer: a abençoada por excelência. Isso não significa um mero privilégio, mas sim uma graça que possibilita a resposta mais intensa ao apelo de Deus. Em Maria se encontram a gratuidade do amor de Deus e a entrega generosa do ser humano, ou seja, a Graça e a Fé.
“Bendito é o fruto do teu ventre” significa que a fé torna Maria fértil de corpo e alma. Por causa de sua adesão a Deus, do seu compromisso com o projeto divino, Maria realiza a benção de fertilidade prometida ao povo de Deus no livro do Deuteronômio:
“Se tu obedeceres à voz do Senhor, essas serão as bênçãos que virão sobre ti e te envolverão: bendito serás na cidade, bendito serás nos campo; bendito será o fruto do teu ventre, o fruto do teu solo e dos teus animais. Bendito serás ao chegar e ao sair. A benção do Senhor estará em todas as tuas realizações” (Dt 28,1-4.6.8).
Conhecendo a fé de Maria, semeada, cultivada e amadurecida em belos frutos, podemos entender as reações e expressões de Jesus, narradas por Lucas, nos relatos da vida pública. Longe de ser uma ofensa à mãe, as palavras de Jesus revelam o segredo de Maria. Seu principal mérito está em ser uma pessoa de fé, que acolhe a palavra de Deus e a concretiza. Ser mãe é uma conseqüência de sua fé e uma forma dela realizar a vontade de Deus. Quando os familiares de Jesus vão procurá-lo e não conseguem alcançá-lo por causa da multidão, ele diz: “A minha mãe e meus irmãos são os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 8,21).
Em outra ocasião, Jesus está falando à multidão, quando uma mulher grita repentinamente: “Felizes o ventre que te carregou e os seios que te amamentarem”. As imagens de “ventre e seios” aludem claramente à maternidade biológica. Dentro da cultura judaica da época, a mãe deveria receber os méritos de ter um filho tão importante. Jesus destaca novamente que a importância de Maria vem em primeiro lugar de sua fé ativa, que escuta a palavra do mestre e a transforma em gesto. Ele diz: “Antes, bem-aventurados (felizes) os que ouvem a palavra de Deus e a observam” (Lc 11,27s).
Alguns séculos depois, Santo Agostinho dirá que Maria concebeu Jesus primeiro no coração e depois no corpo. Antes de ser a sua mãe carnal, acolheu-o pela fé. Sem a fé, não adiantaria ela ter-se tornado a mãe do Senhor. Agostinho captou bem a mensagem do evangelista.
Resumidamente, qual é a principal característica de Maria, segundo Lucas? Ela encarna com fé a Palavra de Deus. Guarda-a no coração e a coloca em prática, dando muitos frutos. Esses são também os traços básicos de todo discípulo de Jesus. Pela sua fé, Maria é o exemplo do cristão, seguidor e aprendiz do Senhor. Em Maria, a fé se traduz em ser mãe, educadora e discípula de Jesus. Sua importância não reside em primeiro lugar na maternidade. E sim, na fé, compromisso radical e inteiro a Deus e ao seu projeto.
(Texto: Maria, toda de Deus e tão humana. A. Murad. Paulinas.
Imagem: Maria das Rochas, de Michelangelo, detalhe)