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domingo, 8 de dezembro de 2019

Imaculada Conceição e o Advento


Estamos nos preparando para o Natal, neste tempo especial de Advento. Muita gente se distrai em dezembro, preocupada com os presentes a dar, como usar o 13º salário, as festas de “amigo secreto”, o que comer e beber. Uma famosa fábrica de refrigerantes começou a fazer propaganda do Papai Noel em 1931, em revistas populares dos Estados Unidos. Criou-se então a imagem do velhinho bondoso, vestido de vermelho, trazendo presentes para as crianças. Em 1962 começaram os comerciais na Televisão. Anos mais tarde, essa tendência chegou ao Brasil e contagiou grande parte da população. Então, a gente se esquece de Jesus, o grande presente de Deus para nós, nascido na simplicidade da gruta de Belém. E somos bombardeados por propagandas para comprar, comprar, comprar... Certa vez, alguém comparou o Papai Noel a Herodes, aquele que não veio ver Jesus e queria eliminá-lo.
Precisamos cultivar o espírito do natal, que não é o de consumo, e sim da fraternidade, da alegria que vem de dentro, da noite luminosa de Belém. Somos como os magos e os pastores, que vão em busca de Jesus, para adorá-lo. Ali encontramos também José e Maria, que nos acolhem com o coração aberto.
A festa da Imaculada Conceição acontece no dia 8 de dezembro e é festejada no Brasil no domingo mais próximo. Propositalmente, ela é colocada no tempo do advento. Sabe por que? Essa festa nos diz que Deus preparou Maria, antes de nascer, para a missão que ela teria de ser mãe, educadora e discípula de Jesus, como também a nossa irmã na fé e mãe da comunidade cristã. Essa ideia que Deus nos chama para uma missão, bem antes do nascimento, já está presente na vocação do profeta Isaías (Is 1,5). Você se lembra da música que diz: “antes que eu te formasse dentro do seio de tua mãe. Antes que tu nasceste, te conhecia e te consagrei”?
Maria recebe um dom especial de Deus, que a faz mais inteira, integrada, capaz de responder mais intensamente aos apelos de Deus na sua vida. Isso não retira dela a característica humana, pois ela tem que fazer opções e renovar seu sim no correr da vida, muitas vezes. Passa por crises de crescimento na fé, como no momento da perda do menino no templo, e diante da cruz. Mas ela se mantém sempre no caminho de Deus, sem desvios. Por isso, ao olhar para Maria imaculada, reconhecemos que nela já se realiza o projeto original de Deus para toda a humanidade. Diferente de Maria, somos pecadores. Mas a graça é a vencedora. Assim, com São Paulo, proclamamos na esperança: “Deus nos escolheu em Cristo, antes de criar o mundo, para que sejamos santos e sem defeito, diante dele, no amor. Ele nos predestinou para sermos, seus filhos adotivos, por meio de Jesus Cristo, que sejamos santos, sem mancha (Ef 1,4-5)”

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Imaculada Conceição

Cada ser humano recebe um dom de Deus quando vem a este mundo. Somos criados em Cristo, marcados pelo selo da Trindade, mesmo que não tenhamos consciência disto. Paulo diz que antes da criação do mundo, Deus nos escolheu em Cristo para sermos diante dele, santos e sem mancha (Ef 1,4). Mas sabemos por experiência que somos seres fragmentados, numa luta interior. A gente quer fazer o bem, ser inteiro nas decisões, perdoar, exercitar a generosidade, lutar para melhorar o mundo... As realizações ficam abaixo dos bons desejos. Somos frágeis, com a tendência ao mais fácil e imediato.

O dogma da Imaculada afirma que Maria, sendo humana como nós, recebe de Deus uma graça especial, para ser forte diante das tentações do mal, assumir com inteireza suas decisões e ser proativa. Maria foi preparada por Deus para a missão de mãe, educadora e discípula de Jesus. E assim ela assumiu sua missão, como nos mostra o evangelho: ouviu a palavra, guardou no coração e frutificou.
A graça de Deus, quando atua no ser humano, é sempre uma estrada de duas mãos. De um lado, o Senhor nos oferece sua presença irradiante, que purifica, perdoa, fascina, integra e convoca para a missão. De outro lado, a gente responde, ao viver na fé, na esperança e no amor solidário. 
O dogma da Imaculada não fala somente de um privilégio de Maria, e sim da vitória da graça de Deus nela. Isso tem enorme valor para toda a humanidade. Mostra que o mais original no ser humano não é o pecado, a mediocridade, as sombras, mas sim o dom de Deus, a criatividade, a luz.

Desde o início Deus nos chama para a comunhão com ele. Assim já experimentaram os profetas: Antes de saíres do ventre de tua mãe, eu te conhecia, e te consagrei (Jr 1,5)”; O senhor me chamou desde o ventre materno (Is 49,1).
Na conhecida canção sobre a Imaculada se diz: Um coração que era sim para a vida/ Um coração que era sim para o irmão. Um coração que era sim para Deus, Reino de Deus renovando este chão! Maria, mais do que ninguém, experimentou a gratuidade do Senhor, um dom especial que a fez mais livre e consciente para caminhar na fé, na esperança e no amor solidário. Recebeu desde o início a redenção em Cristo, que livra do pecado e conduz à vida plena.  Diante desta proposta de Deus, ela dá uma resposta durante toda a existência, com intensidade e inteireza. Viva a Imaculada! A graciosa e cheia de graça!

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Imaculada Conceição: o bom começo

Quando eu era criança, cantava: “Ó Maria, concebida sem pecado original/ Quero amar-vos toda a vida, com ternura filial”. Mas eu não entendia bem o que era este tal pecado, que não me parecia nada original. Afinal, se Adão e Eva fizeram uma coisa errada no passado, o que temos a ver com isso? Depois compreendi que essa música fala de algo atual, que marca a humanidade. Cada um de nós, e toda a comunidade humana, experimentamos o mistério do mal. Quantas vezes a gente quer fazer o bem, ser inteiro nas decisões, perdoar, exercitar a generosidade, lutar para melhorar o mundo... Mas as nossas realizações ficam abaixo dos bons desejos. Vivemos uma divisão interior, uma fragilidade, uma tendência ao mais fácil e imediato.

O dogma da Imaculada afirma que Maria, sendo humana como nós, recebe de Deus uma graça especial, para ser forte diante das tentações do mal, assumir com inteireza suas decisões e ser proativa. E assim ela fez, como nos mostra o evangelho: ouviu a palavra, guardou no coração e frutificou. A graça de Deus, quando atua no ser humano, é sempre uma estrada de duas mãos. De um lado, o Senhor nos oferece sua presença irradiante, que purifica, perdoa, fascina, integra e convoca para a missão. De outro lado, a gente responde, ao viver na fé, na esperança e no amor solidário. Portanto, o dogma da Imaculada não fala somente de um privilégio de Maria, mas sim da vitória da graça de Deus nela. E isso tem enorme valor para toda a humanidade. Mostra que o mais original no ser humano não é o pecado, a mediocridade, as sombras, mas sim o dom de Deus, a criatividade, a luz.

Desde o início Deus nos chama para a comunhão com ele. Assim já experimentaram os profetas: “Antes de saíres do ventre de tua mãe, eu te conhecia, e te consagrei (Jr 1,5)”; “O senhor me chamou desde o ventre materno (Is 49,1)”. Maria, mais do que ninguém, viveu esta inteireza da resposta a Deus: “Um coração que era sim para a vida/ Um coração que era sim para o irmão. Um coração que era sim para Deus, Reino de Deus renovando este chão!”.
Como é bom celebrar a festa da Imaculada no tempo do Advento. Assim, recordamos que Maria foi preparada por Deus para a missão de mãe, educadora e discípula de Jesus. E que ela também se preparou, cultivando o amor e interpretando os Sinais divinos na história do seu povo. Com José, viveu o tempo de espera da gravidez e a alegria do nascimento.


Que Maria imaculada nos prepare para o natal. Que a nossa casa e o nosso coração sejam como o presépio que acolhe o Deus-menino. Belém é aqui e agora. Junto com a multidão de homens e mulheres de toda a Terra nos alegramos porque o Senhor visitou definitivamente este mundo, com uma luz que não conhece o ocaso. Assumiu, com sua encarnação, a nossa bela e frágil história humana. Santificou todos os seres. Por isso, cantamos: “Glória a Deus nas alturas, e paz para a humanidade e cuidado com a Terra!” Amém!

domingo, 8 de dezembro de 2013

Prece com Maria Imaculada


Alegra-te Maria, agraciada pelo Deus da Vida (Lc 1,28), mulher cheia de graça, encantada e encantadora.

Contigo cantamos festivamente, homens e mulheres de todos os cantos da Terra, distintos hinos e canções, em muitas vozes. Ação de Graças e espera confiante na vinda do messias. Ao teu lado proclamamos a bondade e a fidelidade de Deus, que fez em ti, como também realiza em nós,  grandes maravilhas (Lc 1,49).

Como o profeta Jeremias, recordamos o projeto de Deus para a humanidade, a graça original: “Antes mesmo de ser formado no útero de tua mãe, eu te conheci e te consagrei” (Jer 1,5).

Com o apóstolo Paulo, oramos: “Bendito Seja Deus, que nos abençoou com toda sorte de bênçãos em Cristo! Ele nos escolheu antes da fundação do mundo para sermos santos e imaculados, no amor” (Ef 1,3s).

Neste dia agradecemos a Deus, pois tu és o sinal da humanidade recriada, que cultiva a inteireza, integra as pulsões e dá sentido ao todos os fragmentos da existência. Em ti, a partir de Cristo, foi superado o existencial negativo que pesa sobre os humanos (pecado original, conforme Agostinho).

Em ti reconhecemos a vitória da graça de Cristo (Rm 5,17), proclamamos a vitória do Bem sobre todas as formas de fragmentação, de falta de rumo e de iniquidade: pessoais, comunitárias e estruturais.

Salve, Imaculada, utopia realizada do sonho de Deus em relação à humanidade!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Maria Imaculada

A lmaculada Conceição é o resultado da relação íntima e fiel entre Deus e Maria; de uma relação na gratuidade do amor; de uma relação na qual se conjuga a liberdade de uma escolha e um chamado, com a resposta livre, fiel e contínua por parte de uma criatura. O sentido profundo dessa mensagem dogmática não está tanto na ausência de pecado quanto na plenitude e presença da graça que Deus outorga a Maria; a ausência de pecado é a consequência dessa presença amorosa e eficaz.

Que Maria esteja livre do pecado original não a exime de estar presente nela tudo que é autenticamente humano, com seus diversos dinamismos; também ela participa do caráter opaco da existência, da condição de ser uma mulher numa cultura e sociedade que lhe nega o acesso à Torá e a relega ao silêncio, uma mulher numa aldeia pequena e sem relevância; uma mulher casada com um artesão de um meio rural, dedicada aos trabalhos próprios da casa e da família, ou seja, levando a mesma vida comum e simples de suas vizinhas. Também ela sentia as diversas paixões humanas com suas tendências. Porém, à diferença de nós, conseguia integrá-las e orientá-las conforme o plano de Deus, no gozo da abertura a ele, efetivada em sua entrega generosa aos outros e na luta contra o mal. As contradições, os sofrimentos decorrentes da fidelidade à graça nela presente, assume-os de tal modo que, longe de anulá-la, de fechá-la em si mesma, lhe possibilitam crescer.

K. Rahner, em seu livro Maria, Mãe do Senhor, apresenta a Imaculada Conceição como a cheia de graça e a perfeitamente redimida. Que Maria seja a "cheia de graça" e tenha se visto livre do pecado original não implica privá-la ou negar-lhe sua humanidade. Mas apenas ressaltar que o Deus da Vida plenificou de tal modo seu ser que se tornou mais forte nela a luta pelo bem do que o ceder às forças do mal; mais o projeto de Deus do que a debilidade humana. E isso foi vivido por Maria, não por meio de um esforço voluntarista, mas sim por graça de Deus e resposta livre de sua parte. Nessa resposta sua pessoa se plenifica, cresce, brilha e ilumina.

Tampouco é negada a bondade do mundo criado nem a do ser humano. Maria não apresenta a si mesma como a perfeita; pelo contrário, como a humilhada, e desde essa verdade é resgatada pelo Deus que nela realiza maravilhas. A partir desta contemplação e compreensão ela é proclamada no Evangelho e na Igreja como a "cheia de graça". A Imaculada Conceição é Maria de Nazaré, que uma vez mais revela a opção de Deus pelos pobres. Trata-se da história de um chamado e de uma resposta.

Este dogma mariano também proclama que o bem é anterior ao mal, a graça é mais forte que o pecado; e que esta graça é patrimônio de todos, pois, como afirma K. Rahner: “em Maria e em sua Imaculada Conceição fica patente que a misericórdia eterna abraçou desde seu princípio o homem e, portanto, também nós, para que ressalte de maneira nítida que Deus não nos deixou sozinhos”. A Imaculada nos devolve um olhar de esperança, nos ajuda a confiar nas forças do bem, da verdade, da justiça, sobre as forças do mal, da mentira e da opressão. Estas podem até vencer de imediato, mas não são imunes e acabarão vencidas; cedo ou tarde o tribunal da história faz justiça. As situações, as instituições, as pessoas são dinâmicas e, como tais, podem ser transformadas; para isso basta crer e deixar espaço ao Deus da Vida, para que venha nos socorrer

(Sintetizado de: Clara Temporelli, Maria. Mulher de Deus e dos pobres. Releitura dos dogmas marianos, Paulus, p. 174-176)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Imaculada Conceição

A festa da Imaculada Conceição pode ser simbolicamente uma festa de toda a humanidade!
No Cântico que abre a Carta aos Efésios, Paulo proclama: “Antes da criação do mundo, Deus nos escolheu em Cristo para sermos diante dele santos e imaculados” (Ef 1). O sonho de Deus para toda a humanidade é este: criar laços de amor com as pessoas; crescer em sabedoria, idade e graça; louvar o criador; construir uma sociedade justa, solidária e sustentável, cuidar do belo jardim que é o nosso Planeta.
Mas, não somos assim. O ser humano, criado em Cristo na força do Espírito, à imagem e semelhança da Trindade, carrega na sua história pessoal e coletiva também a iniqüidade, a fragmentação, a fragilidade, a liberdade cativa que necessita ser libertada, para escolher o bem e não se desviar do caminho. Aí está o enigma da condição humana: tão bela e capaz dos piores horrores!
Quando a devoção à imaculada se espalhou pelo oriente e o ocidente, não havia preocupação em definir um dogma. A grande intuição residia na compreensão que nesta pessoa especial ecoava algo que dizia respeito a todos os homens e mulheres. Tanto que Tanto que a Igreja ortodoxa reconhece esta devoção, mas não aceita sequer discutir a questão dogmática. Os orientais crêem que, com a encarnação do Filho de Deus no mundo, tanto a humanidade quanto o cosmos caminham em direção à divinização. Jamais seremos deuses, mas participaremos da vida de Deus.
Simbolicamente, o dogma da Imaculada sustenta que esta graça criadora, redentora e santificadora, atuou em Maria de uma maneira extraordinária, potencializando seu ser, tornando-a capaz de responder ao apelo com inteireza e intensidade ímpar. Esta mulher agraciada não é menos humana que nós. Ao contrário. É a humanidade querida por Deus.
Maria de Nazaré não é rainha, nem mulher poderosa. Lucas e João apresentam-na como a servidora do Senhor, a serviço da grande causa de Jesus e do Reinado de Deus. Vive tantos papéis, como a de educadora e discípula de Jesus, mãe e seguidora. Deve fazer um longo caminho na fé. Acolhe o que não compreende, por isso deve meditar e guardar no coração, procurando o sentido dos fatos. Aponta para Jesus, e nada retém para si: “Façam tudo o que ele disser a vocês”. Persevera até o fim! Participa com a comunidade do sofrimento da cruz e da alegria da vinda do Espírito.
As pinturas da Imaculada, como a famosa de Murillo, apresentam-na como uma mulher bela, jovial, com as mãos em prece ou abertas. Acolhe a luz e a graça que se origina somente de Deus. Que bela imagem, que sonho alentador! Que a imaculada nos inspire a inteireza, a beleza que brota da ética, as mãos que se abrem para cuidar de si, dos outros, do mundo. Amém!
Texto de Afonso Murad

domingo, 3 de maio de 2009

Imaculada Conceição: sentido do dogma

Para entender o dogma da Imaculada Conceição é preciso refletir antes sobre quem é o ser humano diante de Deus. A partir daí, ver o que Maria tem em comum conosco e o que ela tem de especial.

Uma graça original
Cada bebê que vem a esse mundo nasce com uma bênção divina. O Senhor nos cria para sermos felizes e colaborarmos na felicidade dos outros. Todos nós fomos criados em Cristo. Estamos marcados pelo sopro de vida do Criador e por uma Graça Original. Como nos diz São Paulo: Antes da criação do mundo, Deus nos escolheu em Cristo, para sermos, diante dele, santos e imaculados (Ef 1,4).
Cada um se desenvolve com o tempo, constituindo-se como pessoa no correr da existência. Aprende a amar e a ser amado, recebe a fé de outros e a assume como sua. É fascinante ser, até a morte, “aprendiz da arte de viver”. Somos limitados no tempo e no espaço e condicionados pela cultura onde nascemos e vivemos. Neste processo de aprender com a vida, até os erros são importantes. Muitos limites são reassumidos no futuro, como oportunidade de superação e crescimento.
No útero da mãe, o feto está recebendo, em doses distintas, amor e desamor, acolhida e rejeição, afeto e violência. Somos todos solidários no bem e no mal. Ninguém começa sua vida a partir do nada. Pela fé, reconhecemos que somos parte de um grande projeto amoroso de Deus, que estamos marcados por sua Graça e pela corrente positiva de amor de tantos seres humanos que vieram antes de nós. Mas o mundo também tem violência, mentira e maldade, que contagiam cada pessoa que nasce. Ao começar a existir, já estamos sob ação de forças positivas e negativas, de vida e de destruição, e interagimos com elas.
Há algo na nossa história pessoal, comunitária e planetária que danifica os belos projetos do Senhor. Não vem de Deus e é difícil localizar sua origem. Nós o chamamos: “Mistério do Mal e da iniqüidade”. Ele está espalhado na humanidade e repercute dentro de cada um. Pois não só somos seres finitos, chamados a evoluir com o Universo. Mas muitas vezes freamos este processo e nos negamos a crescer.

O ser humano dividido
Cada ser humano tem dentro de si muitos desejos, tendências e impulsos. Eles são bons, desde que integrados num projeto de vida. Por exemplo, cada um de nós necessita acreditar em si e exercitar sua liberdade, de forma a ser aceito e respeitado pelos outros. Esta é a forma básica do poder. A pessoa fraca, impotente, contribui pouco nas relações. De outro lado, o poder é perigoso. Um pai autoritário pode deixar muitas feridas nos filhos. Um político poderoso e corrupto prejudica a nação e faz aumentar a exclusão social. Outro exemplo: todo ser humano busca prazer, ao se relacionar, ao comer, ao se divertir. Uma das formas mais intensas de prazer é o sexual. A relação entre homem e mulher é bela e querida por Deus. Mas o sexo desequilibrado, sem afeto e respeito, produz individualismo e violência. Outro exemplo ainda: gostamos de nos vestir bem, ter as coisas para usar, possuir os objetos que tornem a vida mais prática. Mas quando esse desejo desordenado se torna consumismo, cria pessoas dependentes e apegadas às coisas, que chegam a arruinar a vida para comprar tudo o que encontram.
Temos dificuldades de integrar nossos desejos e pulsões, e colocá-los a serviço de um projeto de Vida. Os impulsos do poder, do ter, do prazer e tantos outros, atraem a pessoa para baixo e podem afastá-la de Deus. A teologia chamou essa divisão interna de “concupiscência”. Ela tem dimensões individuais, coletivas e culturais. Sabemos que a nossa liberdade está comprometida pelo pecado e precisa ser libertada. São Paulo lembra essa divisão interna que a gente vive, dizendo que muitas vezes nosso coração quer fazer o bem, mas acabamos fazendo o mal que não desejamos (Rom 7, 14-24). Somos seres fragmentados. Mas nós cremos na vitória da Graça de Jesus Cristo, que nos liberta de todas as cadeias (Rom 5;8 e 8,1-4). A “graça original” de Deus, que nos cria e nos salva, é mais importante e mais forte do que o Pecado Original, e nos ajuda a superar nossos pecados e falhas.
O “Pecado Original” não é um pecado em sentido estrito, mas em sentido analógico. Ou seja, não é um ato cometido livremente, contra Deus e o seu Reino, relacionado com a orientação fundamental e as atitudes da pessoa. Com esta expressão, reconhecemos que existe uma ausência de mediação de graça em cada um de nós e nas nossas relações. O Pecado Original não faz parte da essência do ser humano, mas de nossa atual condição humana, que sofre a ação do mistério do mal e da iniqüidade. Que o ser humano seja limitado e aprendiz, isso faz parte de sua essência de criatura. Que ele se deixe arrastar pelo mal e se negue a crescer no bem, constitui um paradoxo de sua condição atual.

A originalidade de Maria
O dogma da Imaculada Conceição afirma que o segredo de Maria, a perfeita discípula de Jesus, que respondeu a Deus de maneira total, tem sua raiz na Graça. Ela recebe do Senhor um dom especial. Nasce mais integrada do que nós, com maior capacidade de ser livre e acolher a proposta divina. O fato de Maria ser Imaculada não lhe tira a necessidade de crescer na fé, pois isso faz parte da sua situação de ser humano, que necessita aprender e evoluir.
Maria não nasce prontinha. Também é aprendiz da existência. Há momentos em que ela não entende o sentido pleno dos fatos e das palavras (Lc 2,49-50). E no correr da vida, Jesus a surpreende muitas vezes (Mc 3,31-35). Mas, diferentemente de nós, Maria trilha um caminho sempre positivo, sem falsos desvios ou atoleiros. Maria realiza sua vocação pelo caminho humano da fé, em meio a crises e dificuldades. Ela também teve que fazer correções de rota no correr da vida. Experimentou processos de mudança, de conversão. Não do mal para o bem, mas do bem para um bem maior.
Maria é pré-redimida pelo Verbo de Deus. Ela recebe sua graça salvadora numa intensidade maior do que nós, o que lhe dá forças para integrar tendências e pulsões. Conquista assim uma inteireza admirável. Exerce melhor sua missão de perfeita discípula, educadora e mãe do Messias. Com maior liberdade interior, Maria desenvolve profundamente suas qualidades humanas e espirituais, tornando-se criatura santa, não fragmentada, dona de si, aberta a Deus. Portanto, o fato de ser imaculada não a torna menos humana. Ao contrário. Ela realiza a utopia da “nova humanidade”, do ser humano evoluído espiritualmente. A imagem de Maria imaculada necessita ser completada com a da peregrina na fé.

Maria imaculada e nós
Para alguns cristãos, que provam a fragmentação, a força do mal que os domina, a reincidência no pecado, a inconstância na fé, pode ser que Maria Imaculada não seja um modelo operativo próximo. Neste caso, eles podem recorrer ao exemplo de outros santos, que trilhando caminhos tenebrosos, fizeram esforços enormes de conversão e experimentaram uma mudança radical de vida. Para eles, Maria Imaculada não é ponto de partida, mas de chegada. Pois o Deus que cria do nada também recria a partir do caos e das trevas.
Maria Imaculada subverte nosso conceito de “privilégio”. Uma pessoa especialmente dotada, com beleza estonteante, inteligência invejável, saber conquistado, poder ou fama, tende a se distanciar dos outros, a subestimá-los, e a olhar orgulhosamente para si. O privilegiado se torna narcisista: “Espelho meu, existe alguém melhor que eu?” Maria, ao contrário, nos ensina que tudo o que recebemos é dom e se destina a ampliar a rede do Bem, a estender o Reino de Deus sobre a terra. O singular privilégio da Imaculada Conceição é um dom especial, ao qual Maria respondeu com maior intensidade ainda, colocando-o a serviço de Jesus e da humanidade. Tudo o que somos, temos e conquistamos de especial, visa contribuir na construção da “teia da vida”, na qual todos os seres estão intimamente relacionados e são interdependentes.

Fonte: A. Murad, Maria Toda de Deus e tão humana. Paulinas.
Quadro: Imaculada, de Murillo.