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domingo, 17 de agosto de 2014

Maria da Dores

Os vizinhos, parentes e amigos a chamam carinhosamente de “Dozinha”. Mas seu nome de batismo é “Maria das Dores”. Dozinha trabalha como vendedora de produtos de beleza. Gosta de usar alguns deles. “Fico mais bonita e cheirosa, diz ela”.
Faz muitos anos, Dozinha se casou com aquele que acreditava ser o homem de sua vida. Mas não deu certo. O marido era irresponsável, infiel e dependente de bebida alcoolica. Depois de alguns anos, ele a deixou sozinha, com três crianças para criar. “E a vida foi uma luta só”, conta Dozinha. Sem desanimar, ela aprendeu a ser pai e mãe ao mesmo tempo. E o tempo passou. Dozinha viu os filhos crescerem. Ela tinha uma especial afeição por Rodrigo, o filho mais novo. Este era carinhoso para com ela. Elogiava a comida que fazia, sabia dizer “muito obrigado, mãe!”. Nos dois últimos anos Rodrigo começou a ficar meio estranho. A mãe desconfiou que ele estava consumindo droga. Conversou com o filho, mas Rodrigo lhe respondeu que “tudo estava bem”.

Numa trágica sexta-feira, Rodrigo chegou em casa tarde, vindo do serviço. Comeu rapidamente, deu-lhe um beijo e disse para Dozinha que ia sair com os amigos. Seu coração de mãe sentiu um aperto. Veio uma dor forte, intensa, como nunca tinha acontecido. Dozinha começou a rezar umas Ave-Marias. Ela tinha a intuição que algo muito ruim iria acontecer. Escutou então uns estampidos de tiros. Logo chegou a vizinha e lhe disse: “Seu filho foi baleado”. Dozinha correu, rezando e chorando. Encontrou o filho ensanguentado. Segurou-o nos braços, já sem vida.

A morte do filho provocou uma crise de fé profunda em Dozinha. Primeiro, ela se sentiu anestesiada. Não podia acreditar naquilo. Parecia um pesadelo sem fim. Depois, veio a grande sensação de perda, sem volta. E a pergunta que não calava: “Por que Deus permitiu isso? Por que me tirou o dom mais precioso?” Ela começou a clamar, a brigar com Deus,. Toda sua longa vida de cristã, com muitas certezas, parecia ter se dissolvido rapidamente.


Então, um dia se lembrou de Maria, a mãe de Jesus. Imaginou as suas dores na hora da cruz, o abandono que ela também tinha passado. E pensou: “eu acho que Maria teve a mesma crise. Perdeu o filho amado, quase perdeu a esperança de viver”. Ela me entende. Assim, Dozinha passou a rezar para que Maria lhe desse a força para “sair do túmulo”.

Lentamente, Dozinha está fazendo o caminho de acolher a perda do filho. Repensa também as outras perdas que teve na vida, como a do ex-marido. Aprendeu a saborear as conquistas e a alegrias. “A vida de Maria não acabou na sexta-feira da paixão. A minha também não vai terminar desse jeito”, diz ela. Ao olhar para Maria, Dozinha vê a mulher forte, que não cedeu diante da dor e do sofrimento. Enfrentou-os com a cabeça erguida. Maria se tornou sua companheira de caminho, a mãe que lhe dá colo, a amiga entre as amigas. “As coisas ainda não estão resolvidas, mas fiz as pazes com Deus”.

Se a gente olha a vida de Maria nos Evangelhos, compreende porque a devoção popular desenvolveu o título de “Nossa Senhora das Dores”. Não pode ser uma forma de justificar as injustiças ou de criar nas pessoas aquele sentimento de passividade ou de resignação diante da dor. Ao contrário. Maria se mostra como uma mulher forte, que enfrenta com energia as adversidades, junto com José e com Jesus. Simbolicamente, os evangelhos nos falam destas dificuldades, como a matança das crianças inocentes, a fuga para o Egito, a vida em terra estrangeira, a perda do menino no templo. E, para terminar, a dor na hora da cruz.
A partir de Jesus, nos sentimos solidários com todos os homens e mulheres que padecem. Afirmamos que Jesus é nossa esperança, o vencedor. Maria testemunha esta vitória de Cristo. E ela nos acompanha como mãe amorosa. Como faz com Dozinha e tantas outras pessoas.

Afonso Murad - Publicado na “Revista de Aparecida”, agosto de 2014.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Maria das dores

A tradição católica enfatiza na semana santa as “Dores de Maria”. Recorda o sofrimento da mãe de Jesus ao ver o filho percorrer o triste caminho do calvário. Em algumas regiões do Brasil, faz-se na quarta-feira santa a “procissão do encontro”. Os homens vêem em procissão com a imagem de Jesus, e as mulheres, com a estátua de Maria. Com o nome sugere, os dois grupos se encontram ao final, para celebrar o trágico momento no qual Maria e Jesus convergem na trilha pública que o leva à morte.
Na sexta-feira da paixão multiplicam-se as vias sacras, os teatros da “paixão do Senhor”, na qual o drama encontra seu ápice na cena da cruz. Lá está Jesus, à beira da morte, acompanhado pelos dois ladrões (o bom e o maldoso), Maria e o discípulo amado. E, por fim, a terrível cena da “pietà”, na qual Maria sustenta nos braços o corpo morto de Jesus. Ao menos três dores do Maria no mesmo dia.
Maria, a mãe de Jesus, provavelmente viveu tal sofrimento, também partilhado pelos discípulos. A devoção popular, estimulada pelo clero e pelas correntes maximalistas, viu nestas cenas o fundamento de “Maria corredentora”. A idéia era muito simples. Dizia-se que Jesus nos salvou pela intensidade de seu sofrimento na cruz. Por isso, quanto mais sangue e mais sofrimento, maior seria a redenção. E Maria, como sofreu com Jesus na cruz, participou deste processo como ninguém, padecendo com seu coração de mãe.

Esta forma de refletir sobre as dores de Maria capta algo real: a solidariedade no sofrimento. Maria, a serva de Deus, está em profunda sintonia com Jesus, o Servidor da Humanidade, aquele no qual a comunidade cristã viu realizada a profecia do “Servo Sofredor”, anunciado por Isaías. Mas a reflexão deixa na sombra algo vital. A redenção trazida por Jesus não se realizou somente devido à morte na cruz. A salvação, oferecida em Jesus, é um longo processo. Começa na noite de natal, com a encarnação. Acontece em cada gesto de Jesus, quando anuncia o Reino de Deus, cura, inclui os pobres e pecadores, e fala do Pai. O gesto salvífico encontra seu ápice na cruz, expressão máxima do amor, a ponto de dar a vida. E só encontra sua plena compreensão à luz da ressurreição. Por isso, é mais correto afirmar que Jesus nos salva pelo seu nascimento, pela sua vida, pela sua morte e pela ressurreição.
Maria faz parte dessa história salvífica de forma especial. É a mãe de Jesus, personagem importante no mistério da encarnação. Em certo momento da vida, compreende o apelo de Jesus e se põe humildemente no caminho de seguidora. É aquela que realiza o perfil do discípulo: escuta a palavra, guarda no coração e a frutifica. E, no momento da cruz, é perseverante na fé. Por fim, participa com a comunidade de Jesus da alegria da sua ressurreição e do dom do Espírito.
É importante ver todo o trajeto da vida de Maria, junto a Jesus e seus discípulos. Não somente o momento da morte de cruz.
Precisamos compreender o lugar de Maria junto a Jesus e à sua comunidade, que hoje somos nós. Com ela, seguimos silenciosos o caminho de Jesus do calvário, até a cruz. Com ela também cantamos vibrantes a alegria da ressurreição. Aleluia!