quinta-feira, 23 de abril de 2009

Maria e o Espírito Santo

Lucas organiza sua obra, que compreende o evangelho e os Atos dos Apóstolos, em três tempos. O primeiro (Lc 1,5 – 3,20), narrado de forma mais curta, é o do antigo Israel, que prepara a vinda do messias. O segundo tempo, que corresponde à grande parte do evangelho (Lc 3,21 - 24,49), apresenta Jesus de Nazaré, que inaugura o Reino de Deus e anuncia o Pai misericordioso, faz o caminho até Jerusalém, onde é morto e ressuscita. No terceiro tempo, nos Atos dos Apóstolos, situa-se a comunidade Igreja, que expande a salvação de Cristo até os confins da Terra, animada pela força do Espírito do Senhor ressuscitado.
Maria é a única pessoa presente nos três ciclos. Ao lado de Zacarias, Isabel e João Batista, Simeão e Ana, abre caminho para o Salvador, enquanto mãe do Messias. No tempo de Jesus, faz parte do grupo de seus seguidores, como exemplo de discípulo, que escuta, medita e põe em prática a palavra de Jesus. Por fim, enquanto membro da comunidade cristã, inaugura o tempo da Igreja, em Pentecostes. Aí se encontra a última referência a Maria, na obra de Lucas.
O Espírito Santo age em cada ciclo e faz o elo dos três tempos desta “história de salvação”. Na etapa da preparação, o Espírito é o poder de Deus que conduz as pessoas a Jesus. Pela ação do Espírito, personagens dos relatos de infância prenunciam a ação futura do Messias. Isabel, ao receber Maria grávida, fica repleta do Espírito (Lc 1,41) e profetiza sobre Maria. Simeão, que representa o povo de Israel ancião, tem o Espírito sobre ele e vai ao templo impelido pelo mesmo Espírito (Lc 2,25.27). João Batista anuncia que Jesus batizará no Espírito e no fogo da conversão (Lc 3,16). Neste contexto, Maria é especialmente contemplada pelo Espírito Santo. Torna-se mãe do Salvador por sua ação criadora. Há uma relação clara da ação do Espírito na Anunciação com dois momentos-chave na missão de Jesus: o batismo (Lc 3,21) e a transfiguração (Lc 9,34), nas quais o Pai revela sua identidade de Filho.
“O Espírito virá sobre ti e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra, e por isso aquele que vai nascer será santo e chamado Filho de Deus” (Lc 1,35).
“Então o céu se abriu; o Espírito Santo desceu sobre ele (...) e uma voz veio do céu: Tu és meu filho, eu hoje te gerei” (Lc 3,21s).
“Sobreveio uma nuvem que os recobria (...) E uma voz fez-se ouvir da nuvem: Este é o meu Filho, aquele que eu escolhi, ouvi-o” (Lc 9,34s).
Nos três relatos, há uma palavra explícita de Deus sobre Jesus, como seu Filho. Há uma imagem comum na anunciação e na transfiguração, na qual uma nuvem desce sobre os discípulos e os cobre com sua sombra (Lc 9,34). Isso significa: envolver, proteger, revestir com a glória divina. Pode-se ver uma analogia com a figura da nuvem que cobre a “Tenda do encontro”, que acompanhava o Povo de Deus na sua peregrinação no deserto, rumo à terra prometida (Ex 40,35.37). Mais tarde, a tradição cristã releu este versículo, considerando Maria como a nova tenda do encontro, na qual, pela força do Espírito, Deus se encontra com a humanidade, por meio da encarnação de seu Filho.
O Espírito age em Maria não somente no processo de encarnação do Filho de Deus, mas também na sua fé, dando-lhe a força para acolher o mistério divino, fazer-se serva e peregrinar como discípula do Senhor.
O Espírito atua em Jesus. Leva-o ao deserto para ser tentado (Lc 4,1), dá-lhe a força e poder de agir e pregar (Lc 4,14.18). No tempo da Igreja, o Espírito é o poder de Deus que o ressuscitado concede aos que crêem (At 1,8; 6,8; 10,38). Atualiza a presença de Jesus no mundo. Pelo Espírito, os seus seguidores operam maravilhas como Jesus: curar, perdoar, dar vida aos mortos, mover paralisados, expulsar as forças do mal, enfrentar os poderosos sem medo (At 3,6-10; 4,8-10). A comunidade vive desafios radicalmente novos, como a entrada dos pagãos no grupo dos seguidores de Jesus. É necessário arriscar e discernir a vontade de Deus, iluminada pelo Espírito, como acontece no Concílio de Jerusalém (At 15). Na força do espírito, os cristãos enfrentam o sofrimento, a perseguição e a morte (At 12,1-5).
Maria participa da ação criadora do Espírito, individualmente, no seu próprio corpo. E toma parte da ação coletiva do Espírito, em Pentecostes. É membro eminente no mistério da encarnação, é membro discreto no mistério da expansão do Espírito a todos os povos.
Em muitos lugares do mundo, redescobre-se hoje a força atual do Espírito Santo na vida dos cristãos. Neste contexto Maria aparece como a figura realizada do ser humano, que se deixa moldar pelo Espírito. Nela o Espírito habita, faz morada, tocando sua corporeidade, sua subjetividade, seus desejos, sua ação. Esta percepção tão bela não deve dar azo a visões individualistas e espiritualistas. Pois, Maria, templo do Espírito, é profetiza da justiça e da misericórdia de Deus na história. Ela simboliza tanto a humanidade espiritualizada, quanto os que se empenham na luta pela cidadania planetária, na qual se rompe a lógica da exclusão, e se incluem os seres humanos nas diferentes etnias, gêneros, classes sociais, povos e nações, e todos os seres criados, do reino mineral, vegetal e animal. O Espírito, que dá a vida, nos anima a lutar pela defesa, pelo cuidado e pela recriação da vida, especialmente onde ela está mais ameaçada.

Fonte: A.Murad. Maria, toda de Deus e tão humana. Paulinas

10 comentários:

Maria Luiza Silveira Teles disse...

Parabéns, meu querido! Como sempre escrevendo bonito, espalhando o bem e enchendo-me de orgulho.
Deus o abençoe e, também, Maria Santíssima!
Bjs,
Maria Luiza

Victor disse...

Irmão Afonso, é interessante a reflexão sobre a relação entre Maria e o Espírito Santo. Sabemos que Maria é aquela que mais plenamente se abriu à ação do Espírito Santo. Alguns teólogos chegam mesmo a afirmar que a identificação entre Maria e o Espírito é tão grande, que Maria é quase que uma "manifestação encarnada" do Espírito Santo, a face feminina da Santíssima Trindade... Nossas reflexões no curso de Mariologia tem nos ajudado a identificar o importante papel de Maria na história da salvação e na própria vida da nossa Igreja, sem precisarmos cair num maximalismo mariano. Que bom!
Fr. Victor de Oliveira Barbosa - Faculdade Dehoniana (Taubaté/SP)

MauricioVaz-Faculdade Dehoniana disse...

Hoje em dia com a grande preocupação com a Mãe Natureza, com a preocupação em conservar o Meio Ambiente, Maria foi aquela que conservava e preservava a vida, Maria foi exemplo de amor para com a vida. Neste texto reve toda singeleza e sabedoria de Maria em pro da humanidadela

Luís Paulo - Dehoniana disse...

O Espírito Santo como aprendemos desde nossa catequese inicial sempre acompanha a figura de Maria, desde a visita do anjo até mesmo no dia de Pentecoste. Ação do Espírito Santo se faz presente a exemplo disso em nossa vida desde o nosso batismo até o presente momento.

Aline disse...

Em breve vou colocar meu comentario.

Marcio, ITESP disse...

eu também vou escrever aqui

Ricardo Geraldo de Carvalho - ITESP disse...

O Espírito Santo age e sopra onde Ele quer. Entretanto, temos de nos disponibilizarmos a sua ação, libertando-nos de atitudes inférteis e desinstalando-nos do comodismo. Mediante esta experiência de vida podemos viver na liberdade do amor de Deus, com maturidade na Fé. Maria possuía uma grande liberdade interior, o que gerava maturidade em sua experiência de Deus, possibilitando a ação do Espírito Santo em seu coração. Com seu Sim, Maria assume o Plano de Deus, sensibilizando-se com o clamor de libertação dos pobres e abandonados. Neste ínterim, podemos dizer que Maria foi uma revolucionária em seu tempo, haja vista o Cântico do Magnificat (Lc 1, 46-55), no qual fica explícito a compaixão de uma grande mulher, fruto da esperança de uma vida digna a todo ser humano. O comprometimento de Maria com os mais abandonados se dá por ser plenamente humana, o que a faz verdadeira discípula e missionária do Amor Abundante do Deus da Vida.

Pedro Paulo Dal Bó - ITESP disse...

No Evangelho de Lucas Maria é descrita como verdadeira discípula de Jesus, pois é aquela que ouve a Palavra do Senhor, cultiva-a profundamente em sua vida, gerando numerosos frutos. Neste sentido ela se torna para todos nós grande exemplo, não por ser melhor ou especial, mas sim por, na sua humildade e humanidade, ser capaz de acolher e de realizar a vontade de Cristo, até nos momentos mais extremos da vida. Que Maria, mãe e discípula, nos ajude em nosso sincero seguimento de seu amado Filho, Jesus nosso Senhor.

José Roberto Souza - ITESP disse...

Maria discípula perfeita
Maria no texto de Lucas é caracterizada da seguinte maneira: Seguidora de Jesus, peregrina na fé, sinal da opção pelos pobres e mulher contemplada pelo Espírito. Com efeito, vejo que a nossa encarnação deve ter por base estas distintivas para nos animar e fazer-nos pessoas comprometidas com o projeto do Pai.
A chave de leitura proposta por Lucas é Maria seguidora de Jesus e discípula. O texto que reforça essa leitura é o de Lc 8,15: “O que caiu em terra boa são aqueles que, ouvindo de coração bom e generoso, conservam a Palavra, e dão fruto na perseverança.”
Destaca-se deste texto as características que o discípulo de Jesus deve ter: ouvir a Palavra, conservar no coração e dar frutos na perseverança. Nessa perspectiva, Maria traz consigo tais sinais, tornando-se a fiel discípula.
Acolhe, ouve a Palavra de Deus: O relato da anunciação de Maria tem caráter de anúncio de vocação (Lc 1,26-38). Está construída em paralelo com o anúncio de Zacarias em Lc 1,15-20: homem, sacerdote, Jerusalém, Templo, e questiona sem fé e sem resposta. Em contrapartida, já o anúncio de Maria: mulher, membro do povo, Nazaré da Galiléia, num lugar cotidiano, questiona com fé, com uma resposta de adesão, isto é, dá uma resposta generosa a Deus, caracterizando-se num relato vocacional.
Todavia, Maria ouve e acolhe a palavra de Deus e, por conseguinte, abre seu espaço interior deixando Deus entrar.
Entretanto, é importante perceber nos adjetivos dado a Maria, a sua simplicidade, e disponibilidade. Ela, Mesmo sem entender o que iria acontecer não titubeou, pois aceitou fazer a vontade de Deus. Que possamos ouvir, acolher a vontade de Deus em nossa caminhada terrena, para darmos bons e suculentos frutos cotidianamente.

Rogério de Medeiros ISTA disse...

O texto nos desloca para uma Maria simples fiel e próxima de Jesus.
A comunidade de Lucas faz a reflexão que nos coloca a perceber o processo de caminhada da fé. Válida é a presença de Maria neste contexto e nestes momentos significativos da vida de Jesus como seguidora, discípula e acolhedora. Assim assumindo o seu papel de destaque diante da comunidade.
A presença do Espírito Santo, fazendo-se presente traduz o significado de Maria para o grupo de seguidores e também para nós hoje. Ainda, a fé de Maria é fato relevante diante da situação da comunidade neste discipulado, na ação criadora e como morada do mesmo Espírito.
Fé e vida se encontram nesta relação de Maria como o Espírito Santo. É parte de uma bela história que nos revela uma pessoa de íntima relação não só com o Espírito Santo, mas também com a humanidade. Esse texto é elemento tanto para a pastoral quanto para a oração.
Muito bom!