sábado, 28 de agosto de 2010

Simplicidade de Maria

Outro dia, li na internet o poema abaixo, intitulado “Sem dobras”. Ele me fez pensar numa atitude de Maria, que é inspiradora para os cristãos: a simplicidade.

Aprendo com o tempo
a felicidade vibra na frequência
das coisas mais simples
o que amacia a vida
acende o riso
convida a alma para brincar
coisas pequeninas
bordadas com fios de luz
no tecido áspero do cotidiano
como o toque bom do sol
quando pousa na pele
o café da manhã com pão quentinho
sonho compartilhado
repouso os olhos em olhos amados
o sono relaxado que põe tudo pra dormir
a presença da intimidade legítima
o banho bom que reinventa o corpo
o cheiro de terra
o cheiro de chuva
o cheiro do tempero do feijão da infância
o cheiro de quem se gosta
o acorde daquela risada que acorda tudo na gente
todas, simples assim.
J. Ramalho (http://www.semargem.blogspot.com/ )

Dizem que uma das possíveis raízes etimológicas da palavra “simplicidade” é “sem dobras”. Quem não se lembra daquelas saias antigas, cheias de dobra e difíceis de passar, chamadas de “plissadas”, porque exatamente estavam cheias de dobra? Ou então de uma realidade “complexa”, pois tem muitos elementos ao mesmo tempo, como se fossem muitas dobras, de forma a se tornar “complicada” para decifrar.
Uma pessoa simples não é um bobo ou ingênuo. Por vezes, utilizamos este belo adjetivo de forma equivocada, para classificar alguém que cultiva pouca cultura letrada, apresenta limitação intelectual ou se expressa mal. Nada disso tem a ver com simplicidade.
A simplicidade não está no começo do caminho da humanização, mas ao final. São Tomáz de Aquino dizia que a sabedoria e o conhecimento, na medida que evoluem, se simplificam. É admirável encontrar pessoas com alta capacidade artística, técnica, intelectual, operacional, que mantém a simplicidade, pois não se deixam iludir com o poder, o conhecimento, os cargos  ou o dinheiro. Como são simples, sabem viver intensamente os pequenos e grandes momentos. Conhecem sua beleza e sua limitação. Por isso, a simplicidade é companheira da lucidez e da humildade. As pessoas simples aprendem com o tempo. Aliás, continuam sempre aprendizes. Adultos comprometidos, mas com a alegria e a fluidez do coração de criança.

A simplicidade de Maria reúne estas características. O Evangelho de Lucas a apresenta como uma mulher que cultiva a alegria, que descobre no encontro com Isabel a presença do Espírito vivificador. Educadora e mãe de Jesus, faz-se também sua discípula e seguidora, aprendendo com ele. Surge nos momentos importantes, como em Caná, na cruz, na preparação de Pentecostes, e depois se retira tranquilamente, pois não tem necessidade de permanecer no centro das cenas.
A simplicidade de Maria também foi uma conquista. Para saborear as coisas belas de sua existência, ela guardava e meditava no coração, muitas vezes. Para acolher as situações desafiadoras, também.
Que aprendamos de Maria a simplicidade da consciência alerta, que, em acorde com o Palavra de Deus e a beleza da vida, está desperta para saborear, anunciar, lutar e perseverar.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Oração a Maria, caminheira na fé

Ó Maria,
Voltamos nosso olhar e nosso coração para Ti.
E te contemplamos hoje, cheia de luz e revestida pela Graça vencedora de Deus.
Tu, a primeira ressuscitada, em quem se realizou de forma maravilhosa e antecipada,
a promessa e o sonho de Deus para todo ser humano.
Antes de seres tecida no útero de Sant’Ana, o Senhor te conheceu e te consagrou.
Ao longo de tua vida renovaste o compromisso com Deus,
o “Sim” que em determinado momento brotou de teu coração e de teus lábios.

Tu, peregrina nas estradas empoeiradas, sinuosas e arriscadas da existência humana.
Provaste os riscos dos falsos atalhos e dos des-caminhos,
as tentações de toda sorte, até aquela de acomodar-se na mediocridade.
Nós te vemos em Nazaré, companheira de José, mãe e educadora de Jesus.
Ensinaste o filho de Deus encarnado a ser homem.

Pelas tuas mãos e as de José, Jesus se educou e se fez pessoa.
Aprendeu a falar e a ouvir, desenvolveu atitudes e hábitos,
estruturou valores que marcaram sua vida.
Conheceu seus limites e sentiu as infinitas possibilidades da liberdade.
Tu, jardineira sensível, plantaste na terra fértil de Jesus as sementes do Bem.

Mas tua vida não se encerrou na tarefa de mãe e educadora.
As águas do Jordão marcaram o nascimento público de Jesus,
como o corte dolorido e necessário de um segundo cordão umbilical.
Foste surpreendida (ou talvez não) pelo homem adulto, dono de seu destino,
Pois parece que toda mãe vê no filho a sempre criança que um dia embalou nos braços.

Jesus percorre vilas e aldeias falando do Pai e do Reino.
Chama homens e mulheres para compartilhar com ele sonhos e tarefas.
Aprendizes na arte de viver, suas escolas são povoados, estradas, lagos e montanhas.
Agora, és uma discípula. Teu papel de mãe se modifica, parece eclipsar-se.

O Mestre olha com compaixão para a multidão
sem perspectiva, doente, abandonada.
Com o olhar recriador do Pai, vê mais do que miséria e perdição.
Descobre e suscita oportunidades salvadoras, abre portas e janelas de luz.
Animado pelo sonho do “Reino de Deus”, Jesus põe em marcha um “momento novo”.

E teu coração vibra, contagiado de emoção.
Acompanhas Jesus, que encanta as multidões com as parábolas,
surpreende os poderosos com palavras simples e sábias
e desconcerta os donos de uma religião sem coração.
Vês com alegria como as mãos do menino que tu seguraste
estão livres para curar, abençoar, acolher e libertar.

Jesus come e faz festa com os pecadores, as prostitutas, os “sem esperança”.
Aquela grande mesa de pão e inclusão é para ti extensão de Belém e de Nazaré,
a casa de nova família da humanidade, para além dos laços sanguíneos.
Teus olhos acompanham Jesus, quando muitas vezes ele se retira ao monte,
para falar e ouvir o Pai na intimidade.
Tu rezas por ele e com ele.

As forças do mal tramam contra Jesus,
e na tua intuição já pressentes o que lhe espera:
sofrimento, traição, fracasso, dor de perda, morte.
Ao pé da cruz, a fidelidade de um amor à toda prova.
Ao terceiro dia, a surpreendente experiência da vida que vence a morte.

Não sabemos se Jesus ressuscitado apareceu diante de ti. Talvez não precisasse.
Tua fé já tinha chegado a nível tal, que o sinal não é mais necessário.
Tornou-se confiança radical, entrega e sintonia.
Um dia, tua peregrinação terrestre também terminou.
Ao celebrarmos tua “Assunção”, professamos cheios de alegria,
Que o Senhor assumiu e transformou toda tua pessoa e tua existência,
até a corporeidade;
Ele que “faz novas todas as coisas”.

Olha para nós.
Tu conheces cada um de nós, como conhecias Jesus pelo cheiro e pelo olhar.
Fortalece-nos, pois recebemos tanto e correspondemos pouco à Graça do Senhor.
Dá-nos um espírito humilde e renovado
para sermos discípulos e anunciadores de Jesus.
Que recriemos a simplicidade e o encanto de Belém,
o espírito de família e o aconchego de Nazaré,
a força do Espírito que nos unge no Cenáculo,
a coragem e a presença pública de Jerusalém.
Queremos ser “todo de Deus” e para Ele.
Recebe nossas palavras, nossos gestos, nossas ações e nossos desejos. Amém.

Texto: Ir. Afonso Murad
Imagem: Frei Anderson, msc