Por vezes, utilizam-se as expressões “religiosidade popular” e “devoção popular” como sinônimas. No entanto, elas traduzem diferentes realidades. “Religiosidade popular” compreende uma visão unificadora sobre Deus, o mundo e o ser humano, que está presente nos setores populares e nas culturas pré-modernas, de forma assistemática, não reflexa, mas muito ativa. Alguns autores consideram como “religiosidade popular” as formas de relação com o Sagrado que caracterizam os membros de determinada religião, de maneira diferente da sua versão oficial. Trata-se de um conceito com chave predominantemente sociológica e cultural. Independentemente da visão adotada, as práticas devocionais fazem parte da religiosidade popular, como manifestações visíveis da relação com Deus nos segmentos sociais mais pobres e que tiveram pouco acesso à cultura letrada.
Quando o teólogo(a) ou o pesquisador(a) das Ciências da Religião estuda a religiosidade popular, pode abordá-la sob diferentes ângulos: da prática devocional, dos discursos religiosos e de seus diferentes agentes, das influências sócio-históricas e culturais nas experiências do Sagrado. Portanto, a religiosidade popular é muito mais abrangente do que a devoção popular. Isso é importante para o mariólogo, pois há o risco de se confundirem as duas realidades, que estão relacionadas, mas são distintas.
Recentemente, no horizonte católico, a abordagem sobre a religiosidade popular tem assumido certa conotação triunfalista e ingênua. Considera-se a religiosidade popular como um tesouro puro e intacto, que deve ser conservado e difundido o máximo possível, com a bênção e o selo oficial da autoridade. Em contrapartida, critica-se em bloco a teologia moderna, que apontou limites, anacronismos e desvios da religiosidade tradicional. A teologia é culpabilizada como a responsável pela perda da “fé inocente do povo”. E não se percebe que esta “religiosidade idealizada” em muitos lugares já não existe mais como no passado. Não por causa da teologia, mas da cultura urbana, consumista, individualista. Várias práticas devocionais são desenterradas do passado, mas se criam sentidos diferentes para ela. Esta religiosidade urbana (e suburbana) moderna corre o risco de se tornar individualista, intolerante para quem pense diferente e com pouco impacto ético na existência. Como afirmava Marcial Maçaneiro, é mais terapia do que profecia.
Tanto ontem como hoje, a religiosidade popular tem valores e limites. O Documento de Aparecida utiliza outro termo, quase sinônimo: “piedade popular”. E afirma que a piedade popular é um ponto de partida para conseguir que a fé do povo amadureça e se faça mais fecunda. É preciso ser sensível a ela, saber perceber suas dimensões interiores e seus valores inegáveis. É necessário evangelizá-la ou purificá-la, assumindo sua riqueza evangélica (DAp 262). Da mesma forma, A mariologia não pode simplesmente justificar e reforçar qualquer prática piedosa referente à mãe de Jesus, nem também cair no discurso crítico avassalador e desrespeitoso.
Muitos teólogos, pastoralistas e cléricos classificam as práticas religiosas marianas com o nome genérico de “devoção popular”. Tal procedimento não está errado, mas é impreciso, do ponto de vista tanto eclesial quanto cultural.
É comum reunir distintas práticas cultuais (terço, novenas, ladainhas, procissões) com o título de “devoção popular”, para diferencia-las das manifestações públicas e oficiais de culto na Igreja Católica. Neste caso, pensa-se que enquanto a liturgia seria área de atuação do clero, a devoção competiria aos leigos(as), ao fiéis simples. Por vezes, há até certa visão ingênua, como se a devoção fosse uma manifestação que brota da pureza do povo piedoso, e por isso tem que ser mantida intacta. Isso não corresponde à verdade dos fatos. De fato, existem devoções nascidas de leigos e propagadas por movimentos leigos, mas a qualidade delas abrange um leque enorme: da eclesiologia verticalista medieval à visão de comunhão do Vaticano II, de crendices inaceitáveis a expressões teológicas admiráveis. Há ainda devoções criadas por Institutos religiosos e seus fundadores, por presbíteros e, mais raramente, por bispos.
Em alguns momentos da História, o clero se apoderou de devoções de origem laical, porque percebeu que isso fortaleceria o poder eclesiástico ou serviria para reforçar a “identidade católica”, em confronto com os protestantes e a modernidade. Em cada tempo histórico, diferentes agentes eclesiais tomam a vanguarda na promoção de devoções. Pode haver cooperação ou competição entre eles. Vejamos um exemplo conhecido. A devoção a Nossa Senhora Aparecida nasceu em contexto laical, e se desenvolveu lentamente nos primeiros anos. Ganhou expressão e abrangência quando os padres redentoristas assumiram a paróquia da cidade, promoveram as peregrinações e difundiram a devoção pela Rádio Aparecida. Até então, era uma entre as tantas “Nossas Senhoras” no Brasil. A Mãe Aparecida ganhou crescente reconhecimento quando os bispos decidiram transformá-la em “padroeira do Brasil”, no início do século passado. Ao mesmo tempo, pessoas e movimentos leigos continuam disseminando esta piedade. Portanto, a devoção mariana não é somente “popular”, no sentido eclesial, de que provem do laicato. Como toda realidade religiosa, é ambígua e pode ser apropriada por diferentes personagens, a serviço de muitos interesses. Alguns, santos e admiráveis. Outros, espúrios e questionáveis.
O adjetivo “popular”, aplicado à devoção, tem também sentido cultural e sociológico. Acredita-se que tais devoções sejam “populares” porque nascem e são vividas principalmente nos setores sociais empobrecidos, no campo e nos bairros da periferia das cidades. No entanto, o adjetivo é impreciso. A religiosidade de cunho devocional é promovida, vivida e difundida simultaneamente por pessoas e grupos de diferentes segmentos sociais. Há grupos de elites ricas e poderosas que promovem a oração do rosário, como também há comunidades de gente pobre, e de setores médios. Hoje, a devoção mariana está espalhada em todos os segmentos sociais. Em sentido cultural e sociológico, não é mais popular. Foi, em outros tempos.
Um trabalho a ser empreendido pelos teólogos e cientistas da religião consiste em identificar os elementos comuns e a originalidade de cada segmento eclesial (e social), quando assume, reelabora e dissemina determinada prática de piedade mariana.
Pelas razões aludidas acima, parece mais plausível utilizar somente a palavra “devoção” sem o adjetivo “popular”, quando se trata das práticas cultuais católicas que se situam no campo da piedade, fora do âmbito litúrgico. E sem dúvida, a piedade mariana é a mais expressiva.
Afonso Murad. A ser publicado em novo livro de Marialogia.
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Natal com Maria
Maria e José nos apresentam Jesus:
Na gruta de Belém,
Nos lugares e tempos inusitados,
No cotidiano, nos dias claros ou cinzentos.
Aqui a Palavra se faz carne
E vem morar pertinho de nós.
Feliz Natal.
Afonso Murad
Na gruta de Belém,
Nos lugares e tempos inusitados,
No cotidiano, nos dias claros ou cinzentos.
Aqui a Palavra se faz carne
E vem morar pertinho de nós.
Feliz Natal.
Afonso Murad
domingo, 11 de dezembro de 2011
Canto de homenagem a Guadalupe
Neste ano, no dia 12 de dezembro, a experiêncica de Guadalupe completa 480 anos! Medite este bela música do Padre Zézinho (que não é dedicada a Aparecida, e sim a Guadalupe). Ele liga o passado com o presente, contemplando ao mesmo tempo a dimensão pessoal e social da devoção mariana.
Mãe do céu morena, Senhora da América Latina
De olhar e caridade tão divina, de cor igual à cor de tantas raças
Virgem tão serena, Senhora destes povos tão sofridos,
patrona dos pequenos e oprimidos
Derrama sobre nós as tuas graças
Derrama sobre os jovens tua luz,
aos pobres vem mostrar o teu Jesus
Ao mundo inteiro traz o teu amor de mãe
Ensina quem tem tudo a partilhar
Ensina quem tem pouco a não cansar,
e faz o nosso povo caminhar em paz
Derrama a esperança sobre nós, ensina o povo a não calar a voz
Desperta o coração de quem não acordou,
Ensina que a justiça é condição, de construir um mundo mais irmão
E faz o nosso povo conhecer Jesus...
Para ouvir a música em mp3:
http://www.kboing.com.br/padre-zezinho/1-1057486/
Mãe do céu morena, Senhora da América Latina
De olhar e caridade tão divina, de cor igual à cor de tantas raças
Virgem tão serena, Senhora destes povos tão sofridos,
patrona dos pequenos e oprimidos
Derrama sobre nós as tuas graças
Derrama sobre os jovens tua luz,
aos pobres vem mostrar o teu Jesus
Ao mundo inteiro traz o teu amor de mãe
Ensina quem tem tudo a partilhar
Ensina quem tem pouco a não cansar,
e faz o nosso povo caminhar em paz
Derrama a esperança sobre nós, ensina o povo a não calar a voz
Desperta o coração de quem não acordou,
Ensina que a justiça é condição, de construir um mundo mais irmão
E faz o nosso povo conhecer Jesus...
Para ouvir a música em mp3:
http://www.kboing.com.br/padre-zezinho/1-1057486/
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
Maria Imaculada
A lmaculada Conceição é o resultado da relação íntima e fiel entre Deus e Maria; de uma relação na gratuidade do amor; de uma relação na qual se conjuga a liberdade de uma escolha e um chamado, com a resposta livre, fiel e contínua por parte de uma criatura. O sentido profundo dessa mensagem dogmática não está tanto na ausência de pecado quanto na plenitude e presença da graça que Deus outorga a Maria; a ausência de pecado é a consequência dessa presença amorosa e eficaz.
Que Maria esteja livre do pecado original não a exime de estar presente nela tudo que é autenticamente humano, com seus diversos dinamismos; também ela participa do caráter opaco da existência, da condição de ser uma mulher numa cultura e sociedade que lhe nega o acesso à Torá e a relega ao silêncio, uma mulher numa aldeia pequena e sem relevância; uma mulher casada com um artesão de um meio rural, dedicada aos trabalhos próprios da casa e da família, ou seja, levando a mesma vida comum e simples de suas vizinhas. Também ela sentia as diversas paixões humanas com suas tendências. Porém, à diferença de nós, conseguia integrá-las e orientá-las conforme o plano de Deus, no gozo da abertura a ele, efetivada em sua entrega generosa aos outros e na luta contra o mal. As contradições, os sofrimentos decorrentes da fidelidade à graça nela presente, assume-os de tal modo que, longe de anulá-la, de fechá-la em si mesma, lhe possibilitam crescer.
K. Rahner, em seu livro Maria, Mãe do Senhor, apresenta a Imaculada Conceição como a cheia de graça e a perfeitamente redimida. Que Maria seja a "cheia de graça" e tenha se visto livre do pecado original não implica privá-la ou negar-lhe sua humanidade. Mas apenas ressaltar que o Deus da Vida plenificou de tal modo seu ser que se tornou mais forte nela a luta pelo bem do que o ceder às forças do mal; mais o projeto de Deus do que a debilidade humana. E isso foi vivido por Maria, não por meio de um esforço voluntarista, mas sim por graça de Deus e resposta livre de sua parte. Nessa resposta sua pessoa se plenifica, cresce, brilha e ilumina.
Tampouco é negada a bondade do mundo criado nem a do ser humano. Maria não apresenta a si mesma como a perfeita; pelo contrário, como a humilhada, e desde essa verdade é resgatada pelo Deus que nela realiza maravilhas. A partir desta contemplação e compreensão ela é proclamada no Evangelho e na Igreja como a "cheia de graça". A Imaculada Conceição é Maria de Nazaré, que uma vez mais revela a opção de Deus pelos pobres. Trata-se da história de um chamado e de uma resposta.
Este dogma mariano também proclama que o bem é anterior ao mal, a graça é mais forte que o pecado; e que esta graça é patrimônio de todos, pois, como afirma K. Rahner: “em Maria e em sua Imaculada Conceição fica patente que a misericórdia eterna abraçou desde seu princípio o homem e, portanto, também nós, para que ressalte de maneira nítida que Deus não nos deixou sozinhos”. A Imaculada nos devolve um olhar de esperança, nos ajuda a confiar nas forças do bem, da verdade, da justiça, sobre as forças do mal, da mentira e da opressão. Estas podem até vencer de imediato, mas não são imunes e acabarão vencidas; cedo ou tarde o tribunal da história faz justiça. As situações, as instituições, as pessoas são dinâmicas e, como tais, podem ser transformadas; para isso basta crer e deixar espaço ao Deus da Vida, para que venha nos socorrer
(Sintetizado de: Clara Temporelli, Maria. Mulher de Deus e dos pobres. Releitura dos dogmas marianos, Paulus, p. 174-176)
Que Maria esteja livre do pecado original não a exime de estar presente nela tudo que é autenticamente humano, com seus diversos dinamismos; também ela participa do caráter opaco da existência, da condição de ser uma mulher numa cultura e sociedade que lhe nega o acesso à Torá e a relega ao silêncio, uma mulher numa aldeia pequena e sem relevância; uma mulher casada com um artesão de um meio rural, dedicada aos trabalhos próprios da casa e da família, ou seja, levando a mesma vida comum e simples de suas vizinhas. Também ela sentia as diversas paixões humanas com suas tendências. Porém, à diferença de nós, conseguia integrá-las e orientá-las conforme o plano de Deus, no gozo da abertura a ele, efetivada em sua entrega generosa aos outros e na luta contra o mal. As contradições, os sofrimentos decorrentes da fidelidade à graça nela presente, assume-os de tal modo que, longe de anulá-la, de fechá-la em si mesma, lhe possibilitam crescer.
K. Rahner, em seu livro Maria, Mãe do Senhor, apresenta a Imaculada Conceição como a cheia de graça e a perfeitamente redimida. Que Maria seja a "cheia de graça" e tenha se visto livre do pecado original não implica privá-la ou negar-lhe sua humanidade. Mas apenas ressaltar que o Deus da Vida plenificou de tal modo seu ser que se tornou mais forte nela a luta pelo bem do que o ceder às forças do mal; mais o projeto de Deus do que a debilidade humana. E isso foi vivido por Maria, não por meio de um esforço voluntarista, mas sim por graça de Deus e resposta livre de sua parte. Nessa resposta sua pessoa se plenifica, cresce, brilha e ilumina.
Tampouco é negada a bondade do mundo criado nem a do ser humano. Maria não apresenta a si mesma como a perfeita; pelo contrário, como a humilhada, e desde essa verdade é resgatada pelo Deus que nela realiza maravilhas. A partir desta contemplação e compreensão ela é proclamada no Evangelho e na Igreja como a "cheia de graça". A Imaculada Conceição é Maria de Nazaré, que uma vez mais revela a opção de Deus pelos pobres. Trata-se da história de um chamado e de uma resposta.
Este dogma mariano também proclama que o bem é anterior ao mal, a graça é mais forte que o pecado; e que esta graça é patrimônio de todos, pois, como afirma K. Rahner: “em Maria e em sua Imaculada Conceição fica patente que a misericórdia eterna abraçou desde seu princípio o homem e, portanto, também nós, para que ressalte de maneira nítida que Deus não nos deixou sozinhos”. A Imaculada nos devolve um olhar de esperança, nos ajuda a confiar nas forças do bem, da verdade, da justiça, sobre as forças do mal, da mentira e da opressão. Estas podem até vencer de imediato, mas não são imunes e acabarão vencidas; cedo ou tarde o tribunal da história faz justiça. As situações, as instituições, as pessoas são dinâmicas e, como tais, podem ser transformadas; para isso basta crer e deixar espaço ao Deus da Vida, para que venha nos socorrer
(Sintetizado de: Clara Temporelli, Maria. Mulher de Deus e dos pobres. Releitura dos dogmas marianos, Paulus, p. 174-176)
domingo, 4 de dezembro de 2011
Mariologia: história e símbolo
Em minha reflexão mariológica compreendi que, dado o momento de maturidade intelectual em que nos encontramos, não se deve dar lugar a meras suposições e elucubrações mentais. Maria não necessita de nossas mentiras. É necessário deixar de lado as imaginações (que muitas vezes funcionaram na mariologia), para nos situarmos o mais possível dentro do plano histórico. Hoje em dia a historiografia chegou a tal ponto de rigor e seriedade científica que seria desonesto não tê-la em conta na hora de falar sobre Maria.
(No entanto), Maria não é somente personagem histórico, que ficou no passado. Ela emerge como personagem arquetípico, contemporânea a todas as gerações.
Maria foi acolhida na Igreja que, nas diversas comunidades, guardou sua memória. Pouco a pouco começou a incluí-la em seu culto e liturgia. Depois, refletiu teologicamente sobre ela, tanto à luz de Jesus, confessado como Filho de Deus e redentor do mundo, como da Igreja, representada sob a imagem da Mulher, a Mãe, a Esposa, a Virgem, a Imaculada e a Assunta. Uma série muito complexa de interações entre piedade popular, progresso dogmático-teológico e magistério eclesiástico se cristalizou em uma mariologia dogmática. Ela expressa com evidência até onde chegou a compreensão eclesial e crente do mistério de Maria, e como se torna difícil de ser explicada teologicamente.
O objetivo da mariologia é oferecer uma síntese que situe Maria, a Mãe de Jesus, nosso Senhor, no lugar teológico e eclesiológico que lhe corresponde. Uma síntese capaz de favorecer, no estudante de teologia, a obtenção de uma visão apaixonada, inteligente e cordial do mistério de Maria; lúcida para descobrir e compreender a energia espiritual transformadora que Maria desencadeia na história da humanidade.
(Condensado de: José C.R. García Paredes, Mariología. Madrid: Biblioteca de autores cristianos – BAC, 2001, introdução, p.XVI – XVII)
sábado, 22 de outubro de 2011
Fontes da marialogia
Quais são as fontes, às quais recorre o pesquisador de mariologia ou o aluno de teologia, quando se dispõe a estudar sobre Maria, a Mãe de Jesus? Podem-se distinguir as fontes essenciais, complementares e suplementares.
(a) As fontes essenciais, como o nome indica, são imprescindíveis para o estudo acerca de Maria para alunos e professores da graduação ou especialização em teologia. Compreendem:
- A Sagrada Escritura, fonte primeira de toda teologia. Além de recorrer diretamente aos textos bíblicos, o pesquisador serve-se do trabalho realizador pelos biblistas, sobretudo aqueles que escrevem sobre os evangelhos de Lucas e João.
- Os escritos patrísticos. Há belíssimas referências a Maria nos primeiros séculos, em forma de homilias, hinos, comentários bíblicos e orações. Não basta copiar as citações dos autores. Essas devem ser compreendidas no seu horizonte cultural e eclesial e em relação à totalidade do texto, que normalmente está centrado na pessoa de Jesus. Para auxiliar este estudo, é útil recorrer aos teólogos que comentam textos patrísticos, sejam mariólogos ou não.
- Os documentos do magistério da Igreja sobre Maria. Aqui se elencam as principais afirmações sobre a Mãe de Jesus, formuladas em Concílios Ecumênicos, os documentos papais e as conclusões das Conferências do Episcopado Latinoamericano, sobretudo em Puebla e Aparecida. Estes documentos apresentam as formulações dos dogmas marianos, oferecem elementos para sua interpretação atual e fornecem orientações pastorais para o culto. Os textos mais antigos devem ser analisados à luz do contexto e da linguagem da época, para evitar anacronismos.
- Textos ecumênicos acerca da Mãe de Jesus. Estes escritos são fundamentais para compreender o consenso eclesial a respeito de Maria, os pontos em comum e as principais diferenças. Ajudam a superar a intolerância religiosa e suscitam respeito recíproco entre as Igrejas cristãs.
- Dicionários e livros contemporâneos de marialogia/mariologia. Tais obras sintetizam, organizam e apresentam, com o olhar próprio de cada autor, os conhecimentos sobre Maria na Bíblia, no culto e no dogma. Vários(as) mariólogos(as) estabelecem um diálogo da teologia com a sociedade contemporânea, suas buscas e questionamentos.
(b) Vejamos agora as fontes complementares. Dependendo do tipo de estudo a ser realizado, elas podem ser consideradas como essenciais.
- Escritos de teólogos, místicos e missionários no correr dos séculos. Estes textos contem elementos preciosos para a reflexão sobre Maria. Não devem ser lidos de forma literal e fora de seu contexto, pois muitos deles estão influenciados pelo maximalismo mariano ou pela visão da época. Trata-se de reinterpretar as intuições destes autores, à luz da teologia bíblica e das grandes linhas teológicas do Concílio Vaticano II, especialmente o capítulo VIII do documento Lumen Gentium.
- Estudos de natureza antropológica e histórico-cultural. A figura de Maria e sua devoção ficaram impregnadas na cultura ocidental em dois mil anos de cristianismo. Influenciaram e foram influenciadas pelas diferentes percepções de etnias, subculturas e grupos sociais. No correr dos séculos, a figura cultural de Maria apresentou simultaneamente elementos de resistência à dominação aos poderes opressores e de legitimação destes poderes. Por isso, as pesquisas das Ciências da Religião, da História, da Antropologia, da sociologia, da História da Arte contribuem para compreender a ambiguidade das manifestações culturais sobre Maria e podem ajudar a purificar a fé cristã. A mariologia serve-se assim de várias áreas do conhecimento, acolhe suas conclusões de forma lúcida e crítica e faz uma leitura teológica de seus estudos.
- Pinturas, esculturas e outras obras artísticas. Há um enorme acervo de produção artística em torno da pessoa de Maria, que servem ao mariólogos como matéria prima para sua reflexão. Esse material utiliza linguagem própria, não conceitual, e traz abordagem rica e diversificada, que permite amplo leque de interpretação. A grande pergunta que orienta o estudo a partir de obras religiosas artísticas é: o que o artista quis comunicar sobre Deus, o ser humano e Maria, que são significativos para nós, hoje? Incluem-se aqui também o estudo sobre os ícones orientais, que são mais do que obra artística, pois constituem uma narração espiritual em forma de imagem sobre Jesus e Maria.
- Manifestações devocionais atuais. A cultura é produção de significados, algo vivo e dinâmico que transmite valores e visão de mundo. Assim, estudar as manifestações da religiosidade mariana, ou servir-se do resultado das pesquisas de outros, fornece elementos para o discernimento pastoral e a reflexão teológica. As Ciências da Religião são grandes parceiras nesta tarefa. No entanto, os estudos de natureza antropológica, cultural e sociológica sobre Maria não são ainda marialogia. Constituem matéria prima, que deve ainda passar pelo crivo de interpretação da Bíblia e da Tradição Eclesial, para se tornar teologia marial.
(c) As fontes suplementares recebem este nome por se tratarem de escritos que fornecem informações ou conhecimentos que podem ser úteis para a pastoral e a teologia, mas não são necessários e nem fazem parte do núcleo do ensino da Igreja a respeito de Maria. Por isso, não tem força de obrigação. Trata-se de algo que está na esfera devocional e deve ser tratada assim. Por isso, não convém toma-las como fontes essenciais e vinculantes para a fé cristã. São elas:
- Os evangelhos apócrifos, elaborados em grande parte entre os séculos II a VIII. Eles circulavam com a pretensão de serem livros inspirados, mas não foram reconhecidos como tais pela Igreja, devido aos exageros e desvios do pensamento teológico. Portanto, é equivocado sustentar que eles fornecem informações fidedignas sobre Jesus e Maria, para completar o que falta nos evangelhos. Há afirmações que são contrárias aos textos bíblicos. Veja mais detalhes sobre os apócrifos nos “textos complementares”. Dos apócrifos se aproveitam apenas dados secundários, tais como: o nome do pai e da mãe de Maria (Joaquim e Ana), o número e o nome dos reis magos etc.
- As narrações da Vida de Jesus e de Maria elaboradas por videntes e místicos medievais. Elas não foram reconhecidas por concílios e outros documentos oficiais da Igreja como fontes de informações históricas, embora tenham alimentado a devoção. O grande problema que estes relatos são divulgados hoje com a pretensão de serem revelações diretas de Deus, a serem aceitos sem nenhuma discussão. Mas eles estão fortemente influenciados pelo contexto cultural, as estruturas psíquicas e a imaginação criativa de seus autores.
- As mensagens de videntes de aparições marianas nos dois últimos séculos. Elas são compreendidas pela Igreja como “revelações privadas”; merecem a classificação de “dignas de fé humana” e portanto não tem força de obrigação para os cristãos. Infelizmente, tem sido consideradas por alguns grupos católicos como se fossem palavras diretas de Maria. Voltaremos a esse assunto no capítulo das aparições.
As fontes e recursos utilizados na elaboração da mariologia influenciam diretamente seus resultados. Neste sentido, não se pode considerar todas as informações como se estivessem no mesmo nível. São prioritários: a Bíblia, o magistério da Igreja e a patrística, compreendidos com a sensibilidade aos Sinais dos tempos atuais.
Texto de Afonso Murad, a ser publicado em novo livro de Mariologia
(a) As fontes essenciais, como o nome indica, são imprescindíveis para o estudo acerca de Maria para alunos e professores da graduação ou especialização em teologia. Compreendem:
- A Sagrada Escritura, fonte primeira de toda teologia. Além de recorrer diretamente aos textos bíblicos, o pesquisador serve-se do trabalho realizador pelos biblistas, sobretudo aqueles que escrevem sobre os evangelhos de Lucas e João.
- Os escritos patrísticos. Há belíssimas referências a Maria nos primeiros séculos, em forma de homilias, hinos, comentários bíblicos e orações. Não basta copiar as citações dos autores. Essas devem ser compreendidas no seu horizonte cultural e eclesial e em relação à totalidade do texto, que normalmente está centrado na pessoa de Jesus. Para auxiliar este estudo, é útil recorrer aos teólogos que comentam textos patrísticos, sejam mariólogos ou não.
- Os documentos do magistério da Igreja sobre Maria. Aqui se elencam as principais afirmações sobre a Mãe de Jesus, formuladas em Concílios Ecumênicos, os documentos papais e as conclusões das Conferências do Episcopado Latinoamericano, sobretudo em Puebla e Aparecida. Estes documentos apresentam as formulações dos dogmas marianos, oferecem elementos para sua interpretação atual e fornecem orientações pastorais para o culto. Os textos mais antigos devem ser analisados à luz do contexto e da linguagem da época, para evitar anacronismos.
- Textos ecumênicos acerca da Mãe de Jesus. Estes escritos são fundamentais para compreender o consenso eclesial a respeito de Maria, os pontos em comum e as principais diferenças. Ajudam a superar a intolerância religiosa e suscitam respeito recíproco entre as Igrejas cristãs.
- Dicionários e livros contemporâneos de marialogia/mariologia. Tais obras sintetizam, organizam e apresentam, com o olhar próprio de cada autor, os conhecimentos sobre Maria na Bíblia, no culto e no dogma. Vários(as) mariólogos(as) estabelecem um diálogo da teologia com a sociedade contemporânea, suas buscas e questionamentos.
(b) Vejamos agora as fontes complementares. Dependendo do tipo de estudo a ser realizado, elas podem ser consideradas como essenciais.
- Escritos de teólogos, místicos e missionários no correr dos séculos. Estes textos contem elementos preciosos para a reflexão sobre Maria. Não devem ser lidos de forma literal e fora de seu contexto, pois muitos deles estão influenciados pelo maximalismo mariano ou pela visão da época. Trata-se de reinterpretar as intuições destes autores, à luz da teologia bíblica e das grandes linhas teológicas do Concílio Vaticano II, especialmente o capítulo VIII do documento Lumen Gentium.
- Estudos de natureza antropológica e histórico-cultural. A figura de Maria e sua devoção ficaram impregnadas na cultura ocidental em dois mil anos de cristianismo. Influenciaram e foram influenciadas pelas diferentes percepções de etnias, subculturas e grupos sociais. No correr dos séculos, a figura cultural de Maria apresentou simultaneamente elementos de resistência à dominação aos poderes opressores e de legitimação destes poderes. Por isso, as pesquisas das Ciências da Religião, da História, da Antropologia, da sociologia, da História da Arte contribuem para compreender a ambiguidade das manifestações culturais sobre Maria e podem ajudar a purificar a fé cristã. A mariologia serve-se assim de várias áreas do conhecimento, acolhe suas conclusões de forma lúcida e crítica e faz uma leitura teológica de seus estudos.
- Pinturas, esculturas e outras obras artísticas. Há um enorme acervo de produção artística em torno da pessoa de Maria, que servem ao mariólogos como matéria prima para sua reflexão. Esse material utiliza linguagem própria, não conceitual, e traz abordagem rica e diversificada, que permite amplo leque de interpretação. A grande pergunta que orienta o estudo a partir de obras religiosas artísticas é: o que o artista quis comunicar sobre Deus, o ser humano e Maria, que são significativos para nós, hoje? Incluem-se aqui também o estudo sobre os ícones orientais, que são mais do que obra artística, pois constituem uma narração espiritual em forma de imagem sobre Jesus e Maria.
- Manifestações devocionais atuais. A cultura é produção de significados, algo vivo e dinâmico que transmite valores e visão de mundo. Assim, estudar as manifestações da religiosidade mariana, ou servir-se do resultado das pesquisas de outros, fornece elementos para o discernimento pastoral e a reflexão teológica. As Ciências da Religião são grandes parceiras nesta tarefa. No entanto, os estudos de natureza antropológica, cultural e sociológica sobre Maria não são ainda marialogia. Constituem matéria prima, que deve ainda passar pelo crivo de interpretação da Bíblia e da Tradição Eclesial, para se tornar teologia marial.
(c) As fontes suplementares recebem este nome por se tratarem de escritos que fornecem informações ou conhecimentos que podem ser úteis para a pastoral e a teologia, mas não são necessários e nem fazem parte do núcleo do ensino da Igreja a respeito de Maria. Por isso, não tem força de obrigação. Trata-se de algo que está na esfera devocional e deve ser tratada assim. Por isso, não convém toma-las como fontes essenciais e vinculantes para a fé cristã. São elas:
- Os evangelhos apócrifos, elaborados em grande parte entre os séculos II a VIII. Eles circulavam com a pretensão de serem livros inspirados, mas não foram reconhecidos como tais pela Igreja, devido aos exageros e desvios do pensamento teológico. Portanto, é equivocado sustentar que eles fornecem informações fidedignas sobre Jesus e Maria, para completar o que falta nos evangelhos. Há afirmações que são contrárias aos textos bíblicos. Veja mais detalhes sobre os apócrifos nos “textos complementares”. Dos apócrifos se aproveitam apenas dados secundários, tais como: o nome do pai e da mãe de Maria (Joaquim e Ana), o número e o nome dos reis magos etc.
- As narrações da Vida de Jesus e de Maria elaboradas por videntes e místicos medievais. Elas não foram reconhecidas por concílios e outros documentos oficiais da Igreja como fontes de informações históricas, embora tenham alimentado a devoção. O grande problema que estes relatos são divulgados hoje com a pretensão de serem revelações diretas de Deus, a serem aceitos sem nenhuma discussão. Mas eles estão fortemente influenciados pelo contexto cultural, as estruturas psíquicas e a imaginação criativa de seus autores.
- As mensagens de videntes de aparições marianas nos dois últimos séculos. Elas são compreendidas pela Igreja como “revelações privadas”; merecem a classificação de “dignas de fé humana” e portanto não tem força de obrigação para os cristãos. Infelizmente, tem sido consideradas por alguns grupos católicos como se fossem palavras diretas de Maria. Voltaremos a esse assunto no capítulo das aparições.
As fontes e recursos utilizados na elaboração da mariologia influenciam diretamente seus resultados. Neste sentido, não se pode considerar todas as informações como se estivessem no mesmo nível. São prioritários: a Bíblia, o magistério da Igreja e a patrística, compreendidos com a sensibilidade aos Sinais dos tempos atuais.
Texto de Afonso Murad, a ser publicado em novo livro de Mariologia
quinta-feira, 22 de setembro de 2011
Ladainha Mariana para o nosso tempo
Maria de Nazaré, rogai por nós.
Menina que encantou os olhos de Deus, rogai por nós.
Amada de José, rogai por nós.
Jovem questionadora, rogai por nós.
Servidora do Senhor, rogai por nós.
Mulher do Sim sempre renovado.
Aquela que medita o sentido dos fatos, rogai por nós.
Educadora de Jesus, rogai por nós.
Aquela que vê Deus nos véus do cotidiano, rogai por nós.
Mãe do Deus conosco, rogai por nós.
Na casa de Isabel - Magnificat
Maria missionária, rogai por nós.
Símbolo da solidariedade, rogai por nós.
Feliz porque acreditou nas promessas de Deus, rogai por nós.
Amiga de Isabel, rogai por nós.
Cantora das obras de Deus, rogai por nós.
Símbolo de inteireza, rogai por nós.
Profetiza da justiça, rogai por nós.
Esperança de libertação, rogai por nós.
Em Belém
Maria de Belém, rogai por nós.
Companheira de José, rogai por nós.
Jovem Mãe de Jesus, rogai por nós.
Amiga dos pastores, rogai por nós.
Primeira testemunha da encarnação, rogai por nós.
Símbolo da alegria, rogai por nós.
No templo de Jerusalém
Maria de Jerusalém, rogai por nós.
Mulher oferente, rogai por nós.
Peregrina na fé, rogai por nós.
Aquela que crê, sem tudo compreender, rogai por nós.
Nos caminhos da Palestina
Maria da palestina, rogai por nós.
Primeira discípula do Senhor, rogai por nós.
Aquela que acolheu a Palavra de Deus, rogai por nós.
Aquela que guardou a palavra no coração, rogai por nós.
Aquela que frutificou a Palavra, rogai por nós.
Nossa irmã na fé, rogai por nós.
Pedagoga da fé em Caná, rogai por nós.
Atenta às necessidades humanas, rogai por nós.
Coração livre, aberto e desapegado, rogai por nós.
Em Jerusalém
Maria de Jerusalém, rogai por nós.
Firme junto à cruz, rogai por nós.
Símbolo do sofrimento assumido, rogai por nós.
Ícone da fé, rogai por nós.
Perseverante em oração no cenáculo, rogai por nós.
Testemunha da ressurreição de Jesus, rogai por nós.
Batizada no Espírito em Pentecostes, rogai por nós.
Na Terra e no Céu
Maria, tão humana e tão divina, rogai por nós.
Glorificada junto de Deus, rogai por nós.
Filha predileta do Pai, rogai por nós.
Mãe, educadora e discípula do Filho, rogai por nós.
Templo do Espírito Santo, rogai por nós.
Modelo dos cristãos, rogai por nós.
Símbolo humano da ternura de Deus, rogai por nós.
Mãe das mães, rogai por nós.
Aquela que está mais perto de Deus e mais perto de nós, rogai por nós.
Colo de Deus em feição humana, rogai por nós.
Ir. Afonso Murad
terça-feira, 6 de setembro de 2011
Maria Virgem
Disponibilizamos para você uma síntese sobre “Maria Virgem”, do respeitado mariólogo Stefano De Fiores, na obra: Maria en la teología contemporanea. Sígueme: Salamanca, 1991, p. 453-466.
1. Debate teológico sobre a virgindade de Maria (p.453-456)
A idéia da virgindade perpétua de Maria sofreu vacilações nos primeiros séculos e foi negada por Celso, Bonoso e Elpídio. Depois, foi considerado como um dado pacífico da tradição da Igreja. Já Justino (150) a chamava de "a Virgem", e Pedro de Alexandria de "a sempre virgem" (aeiparthenos).
Em tempos recentes, o médico A. Mitterer pôs a questão da virgindade de Maria no parto, sustentando que a ausência de dores e a conservação do hímen não só não pertencem à essência da virgindade, mas também vão contra a verdadeira maternidade (Dogma e biologia da Sagrada Família, Viena, 1952). O Santo Ofício em 1960 se pronuncia, proibindo dissertações sobre o problema.
O primeiro esquema do texto sobre Maria no Concílio Vaticano II afirmava que "permanecia incorrupta e sem mancha a integridade corporal de Maria no mesmo parto". Muitos padres conciliares se posicionaram contra esta "linguagem anatômica" e o texto atual de Lumen Gentium 57 reza que Jesus, ao nascer de Maria, "não diminuiu sua integridade virginal, mas a consagrou". O Concílio deixou assim aberto o caminho para explicações teológicas.
A partir da década de 60, o tema da Virgindade de Maria volta a ser questionada. O "Catecismo holandês" (1966) desloca a afirmação sobre a afirmação literal da virgindade de Maria, sustentando que o seu sentido seria outro: o nascimento de Jesus como dom de Deus à humanidade. Em 1968 uma comissão cardinalícia pede que o texto seja claro sobre o assunto.
Autores isolados também se pronunciaram sobre o tema. H. Halbfas, na obra “Catequética Fundamental” afirma que "o nascimento de Jesus de Maria virgem não se propõe à fé como fato biológico". Caminho semelhante segue H. Küng, na obra "Ser Cristão", ao dizer que a concepção virginal não pertence ao núcleo central do Evangelho e nem deve ser interpretado biologicamente, mas se trata de um símbolo do novo começo realizado por Deus em Cristo. Vários autores na década de 70 consideram a concepção virginal como teologúmeno (uma metáfora teológica, não um fato em si), como por Bauer, O. da Spinotoli, Küng, Schillebeeckx, Evely e Malet. Já J. Pikaza e R. Brown se colocam numa postura eqüidistante do dado histórico-biológico e do teologúmeno.
2. Pressupostos culturais (p. 457-460)
Há dois motivos principais que levaram a questionar a virgindade perpétua de Maria: a desmitização de Bultmann e a depreciação da virgindade.
Bultmann está preocupado em descobrir o significado da mensagem bíblica para o homem moderno, que está fora do horizonte mítico em que foi escrito a bíblia. Trata-se de desmitizá-la, interpretando sua mensagem em chave existencial. No livro “Nuovo testamento e mitologia. Il manifesto della demitizzazione”, Brescia, 1970, p. 117, afirma ele:
"Certas lendas, com as do parto da Virgem e ascensão de Jesus se encontram só esporadicamente; Paulo e João as desconhecem. Mas considerá-las como excrescências tardias não muda em nada o estado das coisas: o acontecimento salvífico conserva a característica de um acontecimento mítico".
Nossa época redescobriu o valor da sexualidade. Para quem reconhece o valor da virgindade, sabe que a questão não reside no hímen, mas na opção pessoal de um amor mais extenso e de um dom que se deve reservar a quem se ama para sempre.
Ora, se a sexualidade e o matrimônio são bons, não há porque se excluir o nascimento de Jesus através deles. Ao contrário, seria até conveniente para a encarnação, que visa aproximar o mais possível o Filho de Deus da humanidade. Além disso, não há concorrência entre Deus e o homem, já que o homem age como mediador de graça, e Deus não age para interferir nas leis da natureza que ele mesmo criou. Por isso Schoonenberg se pergunta se o aspecto biológico da origem de Jesus entra na intenção mesma da fé.
3. Clarificações progressivas (p.460-464)
a) A virgindade de Maria não é uma variante do mito pagão do nascimento milagroso do menino redentor. A base da concepção virginal não reside no mito pagão da teogamia. A concepção de Jesus no Novo Testamenho não é colocada como uma geração por parte de Deus, mas sim uma nova criação. Já Justino, no século, respondia a esta acusação do judeu Trifão (Cf. Justino, Diálogo con Trifón, 66; PG 6, 627). Conforme afirma J. Ratzinger, Introducción al cristianismo, Salamanca, Sígueme, 1987, 6º ed, 238:
"A filiação divina de Jesus não se funda, segundo a fé eclesial, em que Jesus não tenha pai humano. A filiação divina de Jesus não sofreria desvalorização alguma se tivesse necessidade de um matrimônio normal, porque a filiação divina de que fala a Igreja não é um fato biológico, mas ontológico, não é um acontecimento do tempo, mas da eternidade de Deus".
Portanto, o nascimento virginal não prova a divindade de Jesus. Historicamente aconteceu o inverso. O tema da concepção virginal ocupou a reflexão eclesial depois que a afirmação da divindade de Jesus já era aceita sem problemas. "A virgindade de Maria adquire significado somente na órbita da uma cristologia já desenvolvida".
b) A virgindade de Maria não é uma questão aberta quanto ao fato em si. Trata-se de um dogma estável e fundado nas fórmulas de fé, nas definições de Concílios, dos Padres, e do magistério. Permanece uma questão somente no que diz respeito a seu significado na história da salvação e para os homens e mulheres de hoje num contexto cultural próprio.
A concepção virginal é um dado bíblico incontestável. Mateus e Lucas são concordantes nos seguintes aspectos:
- Não é José que engendra Jesus (Mt 1,16.18-25; Lc 1,31.34s; 3,24)
- Jesus é engendrado realmente (Mt 1,20; Lc 1,35), e a forma passiva esconde o sujeito para mostrar o caráter transcendente da origem paterna de Cristo.
- Maria é a única origem humana de Jesus, como virgem que se faz mãe (Mt 1,16-25; Lc 1,27.35).
- A origem divina não se refere ao Pai, culturalmente identificado como princípio masculino, mas ao Espírito Santo, feminino em hebreu e neutro em grego. Exclui-se assim qualquer modelo teogâmico.
c) Deve-se procurar encontrar na virgindade de Maria o sentido do mistério, já aludido por Inácio de Antioquia:
"E permaneceu oculta ao príncipe deste século a virgindade de Maria e seu parto, assim como a morte do Senhor, três mistérios clamorosos (mystêria kraugês: mistério a proclamar em voz alta) que foram realizados no silêncio de Deus" (Ad Eph. 19,1).
A virgindade de Maria continua sendo um mistério, do qual não se tem prova científica, mas somente o testemunho bíblico e eclesial.
O sentido da virgindade de Maria deve excluir alguns argumentos e razões desviantes:
- A incompatibilidade entre sexualidade e sagrado, típico do pensamento semítico,
- A visão de alguns padres que exigem a virgindade de Maria para que Jesus não recebesse o Pecado Original,
- A associação da virgindade com a santidade de Maria, como se ela não pudesse ser mãe de Deus a não ser que fosse Virgem,
- O vínculo entre concepção virginal e divindade de Cristo, confundindo o nível biológico com o ontológico.
4. Significado teológico do dogma de Maria Virgem (p. 464-466)
Cristológico: a concepção virginal sinaliza que Jesus é um ser verdadeiramente novo, o dom gratuito e inexigível de Deus, a nova criação no Espírito. Não se trata de uma demonstração, mas de um sinal eloquente.
Salvífico: A concepção virginal revela que Deus escolhe meios pobres para realizar a salvação (1 Cor 1,17-25). A virgindade de Maria, considerada maldição pelos judeus, foi abraçada por Maria como forma de pobreza (Cf. Lc 1,48). Assim, a salvação vem a nós na disponibilidade ao dom de Deus.
Existencial: A virgindade de Maria é expressão de sua consagração total a Deus.
Imagem: Anunciação, de Murillo.
1. Debate teológico sobre a virgindade de Maria (p.453-456)
A idéia da virgindade perpétua de Maria sofreu vacilações nos primeiros séculos e foi negada por Celso, Bonoso e Elpídio. Depois, foi considerado como um dado pacífico da tradição da Igreja. Já Justino (150) a chamava de "a Virgem", e Pedro de Alexandria de "a sempre virgem" (aeiparthenos).
Em tempos recentes, o médico A. Mitterer pôs a questão da virgindade de Maria no parto, sustentando que a ausência de dores e a conservação do hímen não só não pertencem à essência da virgindade, mas também vão contra a verdadeira maternidade (Dogma e biologia da Sagrada Família, Viena, 1952). O Santo Ofício em 1960 se pronuncia, proibindo dissertações sobre o problema.
O primeiro esquema do texto sobre Maria no Concílio Vaticano II afirmava que "permanecia incorrupta e sem mancha a integridade corporal de Maria no mesmo parto". Muitos padres conciliares se posicionaram contra esta "linguagem anatômica" e o texto atual de Lumen Gentium 57 reza que Jesus, ao nascer de Maria, "não diminuiu sua integridade virginal, mas a consagrou". O Concílio deixou assim aberto o caminho para explicações teológicas.
A partir da década de 60, o tema da Virgindade de Maria volta a ser questionada. O "Catecismo holandês" (1966) desloca a afirmação sobre a afirmação literal da virgindade de Maria, sustentando que o seu sentido seria outro: o nascimento de Jesus como dom de Deus à humanidade. Em 1968 uma comissão cardinalícia pede que o texto seja claro sobre o assunto.
Autores isolados também se pronunciaram sobre o tema. H. Halbfas, na obra “Catequética Fundamental” afirma que "o nascimento de Jesus de Maria virgem não se propõe à fé como fato biológico". Caminho semelhante segue H. Küng, na obra "Ser Cristão", ao dizer que a concepção virginal não pertence ao núcleo central do Evangelho e nem deve ser interpretado biologicamente, mas se trata de um símbolo do novo começo realizado por Deus em Cristo. Vários autores na década de 70 consideram a concepção virginal como teologúmeno (uma metáfora teológica, não um fato em si), como por Bauer, O. da Spinotoli, Küng, Schillebeeckx, Evely e Malet. Já J. Pikaza e R. Brown se colocam numa postura eqüidistante do dado histórico-biológico e do teologúmeno.
2. Pressupostos culturais (p. 457-460)
Há dois motivos principais que levaram a questionar a virgindade perpétua de Maria: a desmitização de Bultmann e a depreciação da virgindade.
Bultmann está preocupado em descobrir o significado da mensagem bíblica para o homem moderno, que está fora do horizonte mítico em que foi escrito a bíblia. Trata-se de desmitizá-la, interpretando sua mensagem em chave existencial. No livro “Nuovo testamento e mitologia. Il manifesto della demitizzazione”, Brescia, 1970, p. 117, afirma ele:
"Certas lendas, com as do parto da Virgem e ascensão de Jesus se encontram só esporadicamente; Paulo e João as desconhecem. Mas considerá-las como excrescências tardias não muda em nada o estado das coisas: o acontecimento salvífico conserva a característica de um acontecimento mítico".
Nossa época redescobriu o valor da sexualidade. Para quem reconhece o valor da virgindade, sabe que a questão não reside no hímen, mas na opção pessoal de um amor mais extenso e de um dom que se deve reservar a quem se ama para sempre.
Ora, se a sexualidade e o matrimônio são bons, não há porque se excluir o nascimento de Jesus através deles. Ao contrário, seria até conveniente para a encarnação, que visa aproximar o mais possível o Filho de Deus da humanidade. Além disso, não há concorrência entre Deus e o homem, já que o homem age como mediador de graça, e Deus não age para interferir nas leis da natureza que ele mesmo criou. Por isso Schoonenberg se pergunta se o aspecto biológico da origem de Jesus entra na intenção mesma da fé.
3. Clarificações progressivas (p.460-464)
a) A virgindade de Maria não é uma variante do mito pagão do nascimento milagroso do menino redentor. A base da concepção virginal não reside no mito pagão da teogamia. A concepção de Jesus no Novo Testamenho não é colocada como uma geração por parte de Deus, mas sim uma nova criação. Já Justino, no século, respondia a esta acusação do judeu Trifão (Cf. Justino, Diálogo con Trifón, 66; PG 6, 627). Conforme afirma J. Ratzinger, Introducción al cristianismo, Salamanca, Sígueme, 1987, 6º ed, 238:
"A filiação divina de Jesus não se funda, segundo a fé eclesial, em que Jesus não tenha pai humano. A filiação divina de Jesus não sofreria desvalorização alguma se tivesse necessidade de um matrimônio normal, porque a filiação divina de que fala a Igreja não é um fato biológico, mas ontológico, não é um acontecimento do tempo, mas da eternidade de Deus".
Portanto, o nascimento virginal não prova a divindade de Jesus. Historicamente aconteceu o inverso. O tema da concepção virginal ocupou a reflexão eclesial depois que a afirmação da divindade de Jesus já era aceita sem problemas. "A virgindade de Maria adquire significado somente na órbita da uma cristologia já desenvolvida".
b) A virgindade de Maria não é uma questão aberta quanto ao fato em si. Trata-se de um dogma estável e fundado nas fórmulas de fé, nas definições de Concílios, dos Padres, e do magistério. Permanece uma questão somente no que diz respeito a seu significado na história da salvação e para os homens e mulheres de hoje num contexto cultural próprio.
A concepção virginal é um dado bíblico incontestável. Mateus e Lucas são concordantes nos seguintes aspectos:
- Não é José que engendra Jesus (Mt 1,16.18-25; Lc 1,31.34s; 3,24)
- Jesus é engendrado realmente (Mt 1,20; Lc 1,35), e a forma passiva esconde o sujeito para mostrar o caráter transcendente da origem paterna de Cristo.
- Maria é a única origem humana de Jesus, como virgem que se faz mãe (Mt 1,16-25; Lc 1,27.35).
- A origem divina não se refere ao Pai, culturalmente identificado como princípio masculino, mas ao Espírito Santo, feminino em hebreu e neutro em grego. Exclui-se assim qualquer modelo teogâmico.
c) Deve-se procurar encontrar na virgindade de Maria o sentido do mistério, já aludido por Inácio de Antioquia:
"E permaneceu oculta ao príncipe deste século a virgindade de Maria e seu parto, assim como a morte do Senhor, três mistérios clamorosos (mystêria kraugês: mistério a proclamar em voz alta) que foram realizados no silêncio de Deus" (Ad Eph. 19,1).
A virgindade de Maria continua sendo um mistério, do qual não se tem prova científica, mas somente o testemunho bíblico e eclesial.
O sentido da virgindade de Maria deve excluir alguns argumentos e razões desviantes:
- A incompatibilidade entre sexualidade e sagrado, típico do pensamento semítico,
- A visão de alguns padres que exigem a virgindade de Maria para que Jesus não recebesse o Pecado Original,
- A associação da virgindade com a santidade de Maria, como se ela não pudesse ser mãe de Deus a não ser que fosse Virgem,
- O vínculo entre concepção virginal e divindade de Cristo, confundindo o nível biológico com o ontológico.
4. Significado teológico do dogma de Maria Virgem (p. 464-466)
Cristológico: a concepção virginal sinaliza que Jesus é um ser verdadeiramente novo, o dom gratuito e inexigível de Deus, a nova criação no Espírito. Não se trata de uma demonstração, mas de um sinal eloquente.
Salvífico: A concepção virginal revela que Deus escolhe meios pobres para realizar a salvação (1 Cor 1,17-25). A virgindade de Maria, considerada maldição pelos judeus, foi abraçada por Maria como forma de pobreza (Cf. Lc 1,48). Assim, a salvação vem a nós na disponibilidade ao dom de Deus.
Existencial: A virgindade de Maria é expressão de sua consagração total a Deus.
Imagem: Anunciação, de Murillo.
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
Evangelhos apócrifos marianos
Os católicos os chamam de “livros apócrifos”, enquanto os protestantes os consideram como “pseudoepígrafos". Trata-se de textos judaicos e cristãos, a grande parte escrita entre o século II antes de Cristo e o século VI da nossa era. Porém, manuscritos posteriores acrescentaram narrações e comentários sobre os textos originais. Assim, é difícil avaliar com certeza a época de redação das versões atuais que chegaram até nós.
Seus autores verdadeiros não se deram a revelar. Para conferir autoridade aos textos, davam-lhes o nome de um personagem reconhecido. Assim, há escritos judaicos apócrifos como Apocalipse de Moisés, Ascensão de Isaías, o I Livro de Adão e Eva (!) que não foram elaborados pelos personagens em questão e não foram incorporados na lista (cânon) da Escritura Sagrada do judaísmo.
Existem por volta de 60 apócrifos cristãos, enumerados entre evangelhos, atos, epístolas e apocalipses. Cada um deles nasceu num contexto histórico, geográfico e cultural, em comunidades cristãs que tinham uma determinada visão sobre Jesus. Interessa-nos aqui um grupo particular de escritos apócrifos que foram classificados como “evangelhos” (embora não mereçam este nome), por utilizar o mesmo recurso narrativo de Mateus, Marcos, Lucas e João. Durante o período em que as comunidades cristãs definiam os livros que fariam parte da Bíblia, eles circulavam nas comunidades e tinham a pretensão de serem inspirados pelo Espírito Santo. Os relatos apócrifos mesclavam narrativas próprias com fragmentos de Lucas e Mateus, dando assim a impressão de que eram somente acréscimos. Mas a teologia era bem outra!
Os “evangelhos apócrifos” não são relatos ingênuos e piedosos, que visam somente saciar a curiosidade sobre detalhes da vida de Jesus e de Maria. Na realidade, são como fragmentos de “ensinos doutrinais” em forma de narração, que apresentam a visão de determinados grupos no cristianismo das origens, visando disseminá-los. Muitos destes grupos, devido à dificuldade em articular de forma correta a humanidade e a divindade de Jesus, foram rejeitados pela Igreja. Seus escritos não foram aceitos como inspirados. Os gnósticos, por exemplo, negavam a salvação efetiva trazida por Cristo, por considerar que o mal reside na ignorância, na falta de conhecimento. Para os gnósticos, Cristo é o ser perfeito que veio libertar o ser humano da sua condição inferior e levá-lo de volta a plenitude. Quem conhece Cristo se torna outro Cristo e não apenas um simples cristão. Por isso, nos apócrifos marianos de influência gnóstica se acentua a divinização precoce da mãe do Senhor, colocando na sombra sua caminhada humana. Outro limite do movimento gnóstico consistia na visão extremamente negativa do corpo.
Vejamos os principais apócrifos que contem referências a Maria.
1. Evangelho do Pseudo-Mateus: datado do século IV, conta o nascimento de Maria e a infância de Jesus, com elementos gnósticos. Narra fatos exagerados e mágicos, sem qualquer fundo histórico. Por exemplo: Maria, vai para o templo aos 3 anos de idade, e lá se destaca desde esse momento como uma “super-mulher”, desempenhando-se em tudo melhor que as outras. O menino Jesus, por sua vez, não aceita nenhum professor para José lhe recomenda, pois afirma orgulhosamente que ele mesmo é o mestre.
2. Evangelho da Natividade de Maria: do século III, narra como foi importante o papel de Maria na história de Jesus. Sob forte influência gnóstica, está repleto de elementos mágicos, como o nascimento de Jesus sem parto real. Conforme alguns pesquisadores, seria o apócrifo mariano mais antigo e estaria na base do Proto-evangelho de Tiago.
3. Proto-Evangelho de Tiago: originado provavelmente no século III, é atribuído a Tiago, o Irmão do Senhor. Apresenta o nascimento de Maria como um fato extraordinário. Ela é filha de um casal estéril: Joaquim e Ana. Descreve-se a consagração de Maria no templo, o casamento com o ancião José (viúvo com seis filhos), a virgindade no parto e outros fatos também narrados por Mateus. Este texto apócrifo influenciou a devoção popular (festa dos pais de Maria no dia 26 de julho) e a iconografia cristã (José como um senhor idoso de barbas brancas).
4. História de José, o carpinteiro: remonta ao século IV ou V, do Egito. Os manuscritos que restaram são posteriores. Narra-se a história de José, contada por Jesus aos Apóstolos no Monte das Oliveiras. E, naturalmente, Maria aparece em vários relatos: a vida no Templo, o casamento com José, o natal em Belém, a fuga para o Egito, sua aflição diante da morte de José.
5. Evangelho armênio da Infância: reflete sobre a relação de Maria com o menino Jesus, e afirma que ela concebeu do Espírito Santo pela orelha! Maria é colocada como a nova Eva e mãe da humanidade. Originalmente, escrito no século VI.
6. Trânsito de Maria do Pseudo-Militão de Sardes: narra a morte, a ressurreição e assunção de Maria. Possivelmente originário do século IV, embora os melhores manuscritos datem do século VIII.
7. Livro de São João evangelista, o teólogo, sobre a passagem da santa mãe de Deus: do século IV este texto conta os detalhes da morte de Maria e sua assunção num domingo.
8. Livro de São João, arcebispo de Tessalônica: organizado em forma de homilia, o texto discorre sobre a festa da Assunção de Maria, porém sem os exageros típicos dos apócrifos. Datado provavelmente no século IV, teve grande influência na devoção mariana posterior.
Circula atualmente um apócrifo contemporâneo, intitulado “O evangelho secreto da Virgem Maria”. O núcleo da obra é atribuído a uma cristã espanhola do século IV, chamada Etéria. Provavelmente de origem medieval, o texto foi adaptado e completamente reelaborado pelo escritor espanhol Santiago Martín. É um relato romanceado, repleto de narrações tipicamente contemporâneas. Pode ser uma boa obra literária, mas não se presta para subsidiar a mariologia.
Por que os apócrifos constituem somente recurso suplementar para a mariologia? Por falta de consistência histórica e de coerência teológica.
As pesquisas arqueológicas e documentais atestam que grande parte das narrações apócrifas não tem fundamento histórico. Foram simplesmente inventadas, visando transmitir uma mensagem. É inconcebível a euforia dos pais de Maria por ocasião do nascimento da menina, narrada pelo apócrifo “Protoevangelho de Tiago”, pois na cultura judaica se esperava sempre o primogênito homem. Quando vinha à luz uma menina, era motivo de tristeza para a família! Da mesma forma, não se pode afirmar que Maria viveu no templo de Jerusalém como virgem consagrada, desde os oito até os doze anos de idade, como sustentam vários apócrifos, pois não havia este costume no tempo de Jesus.
Mais grave é a questão teológica. Vários apócrifos sustentam uma visão equivocada de Jesus, negando claramente sua dimensão humana e o realismo da encarnação. E tal percepção se estende a Maria. A narração do parto virginal de Jesus, no “Evangelho da infância de Maria”, está carregado de elementos mitológicos, negando que o Filho de Deus “se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14)! Há inúmeras cenas mirabolantes, que não condizem com o perfil de Cristo nos evangelhos, como aquela no qual o menino Jesus provoca a morte de uma criança que lhe desafia, ou sopra sobre um pássaro de barro e este começa a voar.
No entanto, os apócrifos marianos exercem enorme fascínio! Em primeiro lugar, devido à forma narrativa, breve e de agradável leitura. Além disso, vai ao encontro de uma espiritualidade devocional maximalista, que exalta Maria ilimitadamente. Quem procura uma “super-Maria”, cheia de poderes humanos e divinos, encontrará nas narrações apócrifas argumentos para reforçar sua visão. Ademais, os apócrifos reforçam a tendência de buscar na religião aquilo que é espetacular, milagroso, extraordinário. Por fim, parece responder a uma necessidade das pessoas de buscar mais informações sobre a vida de Maria, que os evangelhos não fornecem.
A esse respeito, o Ir. Aleixo Autran, grande mariólogo brasileiro falecido na década de 80, costumava dizer que se Deus não nos deu mais informações sobre a vida de Maria na Bíblia, é porque “não era necessário para nossa salvação, nem para a sã devoção”. Por isso, não convém buscar em outros textos, de origem duvidosa, conhecimentos sobre aquilo que Deus mesmo achou por bem não manifestar.
Afonso Murad.
Ver a descrição dos apócrifos marianos em: Jacir de Freitas Faria, História de Maria, mãe e apóstola de seu Filho, nos Evangelhos apócrifos. Vozes, p. 14-28.
Seus autores verdadeiros não se deram a revelar. Para conferir autoridade aos textos, davam-lhes o nome de um personagem reconhecido. Assim, há escritos judaicos apócrifos como Apocalipse de Moisés, Ascensão de Isaías, o I Livro de Adão e Eva (!) que não foram elaborados pelos personagens em questão e não foram incorporados na lista (cânon) da Escritura Sagrada do judaísmo.
Existem por volta de 60 apócrifos cristãos, enumerados entre evangelhos, atos, epístolas e apocalipses. Cada um deles nasceu num contexto histórico, geográfico e cultural, em comunidades cristãs que tinham uma determinada visão sobre Jesus. Interessa-nos aqui um grupo particular de escritos apócrifos que foram classificados como “evangelhos” (embora não mereçam este nome), por utilizar o mesmo recurso narrativo de Mateus, Marcos, Lucas e João. Durante o período em que as comunidades cristãs definiam os livros que fariam parte da Bíblia, eles circulavam nas comunidades e tinham a pretensão de serem inspirados pelo Espírito Santo. Os relatos apócrifos mesclavam narrativas próprias com fragmentos de Lucas e Mateus, dando assim a impressão de que eram somente acréscimos. Mas a teologia era bem outra!
Os “evangelhos apócrifos” não são relatos ingênuos e piedosos, que visam somente saciar a curiosidade sobre detalhes da vida de Jesus e de Maria. Na realidade, são como fragmentos de “ensinos doutrinais” em forma de narração, que apresentam a visão de determinados grupos no cristianismo das origens, visando disseminá-los. Muitos destes grupos, devido à dificuldade em articular de forma correta a humanidade e a divindade de Jesus, foram rejeitados pela Igreja. Seus escritos não foram aceitos como inspirados. Os gnósticos, por exemplo, negavam a salvação efetiva trazida por Cristo, por considerar que o mal reside na ignorância, na falta de conhecimento. Para os gnósticos, Cristo é o ser perfeito que veio libertar o ser humano da sua condição inferior e levá-lo de volta a plenitude. Quem conhece Cristo se torna outro Cristo e não apenas um simples cristão. Por isso, nos apócrifos marianos de influência gnóstica se acentua a divinização precoce da mãe do Senhor, colocando na sombra sua caminhada humana. Outro limite do movimento gnóstico consistia na visão extremamente negativa do corpo.
Vejamos os principais apócrifos que contem referências a Maria.
1. Evangelho do Pseudo-Mateus: datado do século IV, conta o nascimento de Maria e a infância de Jesus, com elementos gnósticos. Narra fatos exagerados e mágicos, sem qualquer fundo histórico. Por exemplo: Maria, vai para o templo aos 3 anos de idade, e lá se destaca desde esse momento como uma “super-mulher”, desempenhando-se em tudo melhor que as outras. O menino Jesus, por sua vez, não aceita nenhum professor para José lhe recomenda, pois afirma orgulhosamente que ele mesmo é o mestre.
2. Evangelho da Natividade de Maria: do século III, narra como foi importante o papel de Maria na história de Jesus. Sob forte influência gnóstica, está repleto de elementos mágicos, como o nascimento de Jesus sem parto real. Conforme alguns pesquisadores, seria o apócrifo mariano mais antigo e estaria na base do Proto-evangelho de Tiago.
3. Proto-Evangelho de Tiago: originado provavelmente no século III, é atribuído a Tiago, o Irmão do Senhor. Apresenta o nascimento de Maria como um fato extraordinário. Ela é filha de um casal estéril: Joaquim e Ana. Descreve-se a consagração de Maria no templo, o casamento com o ancião José (viúvo com seis filhos), a virgindade no parto e outros fatos também narrados por Mateus. Este texto apócrifo influenciou a devoção popular (festa dos pais de Maria no dia 26 de julho) e a iconografia cristã (José como um senhor idoso de barbas brancas).
4. História de José, o carpinteiro: remonta ao século IV ou V, do Egito. Os manuscritos que restaram são posteriores. Narra-se a história de José, contada por Jesus aos Apóstolos no Monte das Oliveiras. E, naturalmente, Maria aparece em vários relatos: a vida no Templo, o casamento com José, o natal em Belém, a fuga para o Egito, sua aflição diante da morte de José.
5. Evangelho armênio da Infância: reflete sobre a relação de Maria com o menino Jesus, e afirma que ela concebeu do Espírito Santo pela orelha! Maria é colocada como a nova Eva e mãe da humanidade. Originalmente, escrito no século VI.
6. Trânsito de Maria do Pseudo-Militão de Sardes: narra a morte, a ressurreição e assunção de Maria. Possivelmente originário do século IV, embora os melhores manuscritos datem do século VIII.
7. Livro de São João evangelista, o teólogo, sobre a passagem da santa mãe de Deus: do século IV este texto conta os detalhes da morte de Maria e sua assunção num domingo.
8. Livro de São João, arcebispo de Tessalônica: organizado em forma de homilia, o texto discorre sobre a festa da Assunção de Maria, porém sem os exageros típicos dos apócrifos. Datado provavelmente no século IV, teve grande influência na devoção mariana posterior.
Circula atualmente um apócrifo contemporâneo, intitulado “O evangelho secreto da Virgem Maria”. O núcleo da obra é atribuído a uma cristã espanhola do século IV, chamada Etéria. Provavelmente de origem medieval, o texto foi adaptado e completamente reelaborado pelo escritor espanhol Santiago Martín. É um relato romanceado, repleto de narrações tipicamente contemporâneas. Pode ser uma boa obra literária, mas não se presta para subsidiar a mariologia.
Por que os apócrifos constituem somente recurso suplementar para a mariologia? Por falta de consistência histórica e de coerência teológica.
As pesquisas arqueológicas e documentais atestam que grande parte das narrações apócrifas não tem fundamento histórico. Foram simplesmente inventadas, visando transmitir uma mensagem. É inconcebível a euforia dos pais de Maria por ocasião do nascimento da menina, narrada pelo apócrifo “Protoevangelho de Tiago”, pois na cultura judaica se esperava sempre o primogênito homem. Quando vinha à luz uma menina, era motivo de tristeza para a família! Da mesma forma, não se pode afirmar que Maria viveu no templo de Jerusalém como virgem consagrada, desde os oito até os doze anos de idade, como sustentam vários apócrifos, pois não havia este costume no tempo de Jesus.
Mais grave é a questão teológica. Vários apócrifos sustentam uma visão equivocada de Jesus, negando claramente sua dimensão humana e o realismo da encarnação. E tal percepção se estende a Maria. A narração do parto virginal de Jesus, no “Evangelho da infância de Maria”, está carregado de elementos mitológicos, negando que o Filho de Deus “se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14)! Há inúmeras cenas mirabolantes, que não condizem com o perfil de Cristo nos evangelhos, como aquela no qual o menino Jesus provoca a morte de uma criança que lhe desafia, ou sopra sobre um pássaro de barro e este começa a voar.
No entanto, os apócrifos marianos exercem enorme fascínio! Em primeiro lugar, devido à forma narrativa, breve e de agradável leitura. Além disso, vai ao encontro de uma espiritualidade devocional maximalista, que exalta Maria ilimitadamente. Quem procura uma “super-Maria”, cheia de poderes humanos e divinos, encontrará nas narrações apócrifas argumentos para reforçar sua visão. Ademais, os apócrifos reforçam a tendência de buscar na religião aquilo que é espetacular, milagroso, extraordinário. Por fim, parece responder a uma necessidade das pessoas de buscar mais informações sobre a vida de Maria, que os evangelhos não fornecem.
A esse respeito, o Ir. Aleixo Autran, grande mariólogo brasileiro falecido na década de 80, costumava dizer que se Deus não nos deu mais informações sobre a vida de Maria na Bíblia, é porque “não era necessário para nossa salvação, nem para a sã devoção”. Por isso, não convém buscar em outros textos, de origem duvidosa, conhecimentos sobre aquilo que Deus mesmo achou por bem não manifestar.
Afonso Murad.
Ver a descrição dos apócrifos marianos em: Jacir de Freitas Faria, História de Maria, mãe e apóstola de seu Filho, nos Evangelhos apócrifos. Vozes, p. 14-28.
domingo, 14 de agosto de 2011
Maria Mãe de Deus
Sentido teológico e antropológico do Dogma da Theotókos
O Filho de Deus nasceu de mulher, recebeu dela uma carne como a nossa, uma substância como a nossa. A compreensão do mistério de Jesus, o Filho de Deus feito homem, comportava uma forma peculiar de entender a maternidade de Maria. A Igreja confessou - em sua ortodoxia - que Jesus é o Filho de Deus, consubstancial ao Pai e consubstancial a nós, em unidade de pessoa. Por isso, dada a intercomunicação entre sua natureza divina e humana (comunicação de idiomas), Maria é autêntica Theotokos.
Portanto, no dogma da Theotokos é ressaltada Maria como Mãe de Deus segundo a carne, o que significa superar o dualismo da filosofia helenística e introduzir pessoalmente a Deus na humanidade concreta e em sua história, rompendo dessa forma com toda concepção espiritualista. Na afirmação de que Maria é mãe histórica de Jesus, Filho de Deus, não pode existir idealismo nem separação de corpo e espírito. Esse dogma nos situa no coração da realidade humana, que nasce e se expressa sempre em concreto, abrindo-se dessa forma ao dom da vida e ao destino da morte.
O dogma de Maria, Mãe de Deus, inscreve-se no caminho que vai de Niceia (Jesus tem natureza divina) a Calcedônia (Jesus tem natureza divina e humana). Afirma que Jesus é Deus transcendente sendo um homem concreto. Este é o dogma, o princípio fundamentador da fé que ilumina a história humana ao afirmar que Deus existe e se identifica com um homem concreto, com sua própria carne e sangue, ou seja, com sua humanidade marcada pelo nascimento e a morte.
De tal modo isso é verdade que Deus acaba sendo revelado como a vida originária que se encarna por Maria na carne concreta da história. Por isso, buscar a Deus é descobrir sua presença na própria história e na realidade humana, nos acontecimentos que se sucedem no âmago da história. Eis o que manifesta o Concílio de Éfeso por meio do dogma cristão da Thetokos, dogma que nos leva além de qualquer intenção espiritualista.
Com respeito à proclamação de Éfeso, observamos:
- A maternidade divina acontece, segundo Éfeso, no momento do processo genético da concepção e do parto. Qualquer outro aspecto concernente ao desenvolvimento psicológico e pedagógico da maternidade, como a relação entre mãe e filho, é estranho às preocupações em que se desenvolveu o Concílio.
- A reflexão teológica de Éfeso, mais do que ilustrar as diversas perspectivas bíblicas da maternidade de Maria, se detém no prólogo de João e na referência de Paulo aos Gálatas (4,4-5).
- O documento carece de toda referência ao Espírito Santo e a sua ação na maternidade divina.
- A partir da proclamação da Theotokos, foi esquecida durante um período longo a realidade humilde e evangélica de Maria como serva do Senhor.
Este dogma não pretende resolver problemas sobre a família de Jesus, a concepção virginal ou a mediação mariana; apenas ressalta algo que estava na raiz do evangelho e constitui o pressuposto de todas as cristologias e mariologias: o Verbo de Deus se fez carne em Jesus; Maria é Mãe de Deus em sua função concreta - histórica, pessoal, frágil e arriscada - de gerar e acompanhar educacionalmente Jesus, o Cristo.
A formulação original relativa à maternidade divina de Maria teve um lento e gradual desenvolvimento, tanto em sua terminologia como em seu conteúdo. Enquanto que nos três primeiros concílios o tema aparece como um corolário da encarnação do Verbo, o Concílio Vaticano II engloba o mistério total da pessoa e da missão de Maria. Em Éfeso e Calcedônia, a preocupação era esclarecer a legitimidade e a propriedade da Theotokos; em Constantinopla e no Vaticano II, foi desenvolvida a perspectiva e a finalidade da encarnação* como acontecimento salvífico. A maternidade divina e salvífica foi lida e aprofundada no Vaticano lI, que indicou novas perspectivas, dimensões e critérios que iluminam a reflexão teológica.
A maternidade de Maria nos fala da vocação da humanidade à fecundidade plena, e da recuperação do corpo como condição em que convergem o querer de Deus e o desejo humano. Pode, também, nos proporcionar as diretrizes de uma evangélica libertação feminina, onde o masculino e patriarcal renuncie ao desejo de domínio e poder baseado na prepotência e na violência do mais forte, que falsifica e perverte as estruturas, organizações e instituições de qualquer tipo.
Maria em sua função maternal não é a imagem de uma mulher submetida, dependente, nem de uma deusa, e sim a imagem da pessoa que foi a mais próxima e mais unida ao divino por ter sido plenificada pelo Espírito Santo, e por encarnar o Verbo de Deus. Sua vida nos desafia a despertar o sentimento maternal como atitude que permite a outras pessoas viver e crescer, que respeita a liberdade e a responsabilidade das outras.
A partir dessa atitude de ser-em relação, que dá a vida de maneira fecunda e ativa, a mulher e o homem podem crescer no terreno das relações e da mútua dependência, e em autonomia humana. O processo maternal de Maria, que também inclui o Magnificat, chama-nos a resistir aos poderes dominantes a partir da criatividade que nasce do amor. Assim, a maternidade de Maria, a Theotokos, pode ser inspiração tanto para a mulher como para o homem.
(Clara Temporelli, Maria. Mulher de Deus e dos pobres. Releitura dos dogmas marianos. São Paulo: Paulus, 2010, p. 70-75)
O Filho de Deus nasceu de mulher, recebeu dela uma carne como a nossa, uma substância como a nossa. A compreensão do mistério de Jesus, o Filho de Deus feito homem, comportava uma forma peculiar de entender a maternidade de Maria. A Igreja confessou - em sua ortodoxia - que Jesus é o Filho de Deus, consubstancial ao Pai e consubstancial a nós, em unidade de pessoa. Por isso, dada a intercomunicação entre sua natureza divina e humana (comunicação de idiomas), Maria é autêntica Theotokos.
Portanto, no dogma da Theotokos é ressaltada Maria como Mãe de Deus segundo a carne, o que significa superar o dualismo da filosofia helenística e introduzir pessoalmente a Deus na humanidade concreta e em sua história, rompendo dessa forma com toda concepção espiritualista. Na afirmação de que Maria é mãe histórica de Jesus, Filho de Deus, não pode existir idealismo nem separação de corpo e espírito. Esse dogma nos situa no coração da realidade humana, que nasce e se expressa sempre em concreto, abrindo-se dessa forma ao dom da vida e ao destino da morte.
O dogma de Maria, Mãe de Deus, inscreve-se no caminho que vai de Niceia (Jesus tem natureza divina) a Calcedônia (Jesus tem natureza divina e humana). Afirma que Jesus é Deus transcendente sendo um homem concreto. Este é o dogma, o princípio fundamentador da fé que ilumina a história humana ao afirmar que Deus existe e se identifica com um homem concreto, com sua própria carne e sangue, ou seja, com sua humanidade marcada pelo nascimento e a morte.
De tal modo isso é verdade que Deus acaba sendo revelado como a vida originária que se encarna por Maria na carne concreta da história. Por isso, buscar a Deus é descobrir sua presença na própria história e na realidade humana, nos acontecimentos que se sucedem no âmago da história. Eis o que manifesta o Concílio de Éfeso por meio do dogma cristão da Thetokos, dogma que nos leva além de qualquer intenção espiritualista.
Com respeito à proclamação de Éfeso, observamos:
- A maternidade divina acontece, segundo Éfeso, no momento do processo genético da concepção e do parto. Qualquer outro aspecto concernente ao desenvolvimento psicológico e pedagógico da maternidade, como a relação entre mãe e filho, é estranho às preocupações em que se desenvolveu o Concílio.
- A reflexão teológica de Éfeso, mais do que ilustrar as diversas perspectivas bíblicas da maternidade de Maria, se detém no prólogo de João e na referência de Paulo aos Gálatas (4,4-5).
- O documento carece de toda referência ao Espírito Santo e a sua ação na maternidade divina.
- A partir da proclamação da Theotokos, foi esquecida durante um período longo a realidade humilde e evangélica de Maria como serva do Senhor.
Este dogma não pretende resolver problemas sobre a família de Jesus, a concepção virginal ou a mediação mariana; apenas ressalta algo que estava na raiz do evangelho e constitui o pressuposto de todas as cristologias e mariologias: o Verbo de Deus se fez carne em Jesus; Maria é Mãe de Deus em sua função concreta - histórica, pessoal, frágil e arriscada - de gerar e acompanhar educacionalmente Jesus, o Cristo.
A formulação original relativa à maternidade divina de Maria teve um lento e gradual desenvolvimento, tanto em sua terminologia como em seu conteúdo. Enquanto que nos três primeiros concílios o tema aparece como um corolário da encarnação do Verbo, o Concílio Vaticano II engloba o mistério total da pessoa e da missão de Maria. Em Éfeso e Calcedônia, a preocupação era esclarecer a legitimidade e a propriedade da Theotokos; em Constantinopla e no Vaticano II, foi desenvolvida a perspectiva e a finalidade da encarnação* como acontecimento salvífico. A maternidade divina e salvífica foi lida e aprofundada no Vaticano lI, que indicou novas perspectivas, dimensões e critérios que iluminam a reflexão teológica.
A maternidade de Maria nos fala da vocação da humanidade à fecundidade plena, e da recuperação do corpo como condição em que convergem o querer de Deus e o desejo humano. Pode, também, nos proporcionar as diretrizes de uma evangélica libertação feminina, onde o masculino e patriarcal renuncie ao desejo de domínio e poder baseado na prepotência e na violência do mais forte, que falsifica e perverte as estruturas, organizações e instituições de qualquer tipo.
Maria em sua função maternal não é a imagem de uma mulher submetida, dependente, nem de uma deusa, e sim a imagem da pessoa que foi a mais próxima e mais unida ao divino por ter sido plenificada pelo Espírito Santo, e por encarnar o Verbo de Deus. Sua vida nos desafia a despertar o sentimento maternal como atitude que permite a outras pessoas viver e crescer, que respeita a liberdade e a responsabilidade das outras.
A partir dessa atitude de ser-em relação, que dá a vida de maneira fecunda e ativa, a mulher e o homem podem crescer no terreno das relações e da mútua dependência, e em autonomia humana. O processo maternal de Maria, que também inclui o Magnificat, chama-nos a resistir aos poderes dominantes a partir da criatividade que nasce do amor. Assim, a maternidade de Maria, a Theotokos, pode ser inspiração tanto para a mulher como para o homem.
(Clara Temporelli, Maria. Mulher de Deus e dos pobres. Releitura dos dogmas marianos. São Paulo: Paulus, 2010, p. 70-75)
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sábado, 6 de agosto de 2011
Culto a Maria
Estive em Recife, num curso de canto pastoral em torno da pessoa de Maria, promovido pela UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco). Partilho com você alguns eslaides sobre o tema do culto a Maria, que já desenvolvi com vários grupos em diferentes lugares do Brasil. O conteúdo está detalhado no livro "Maria, toda de Deus e tão humana", Paulinas, capítulo 8 (Maria na devoção popular e na liturgia).
Para ampliar o eslaide, clique à esquerda do mouse. Para salvar em seu computador, use o mouse direito e escolha "salvar como".
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quarta-feira, 20 de julho de 2011
Maria no coração da Evangelização
Segue abaixo o esquema da conferência conclusiva do Simpósio de Mariologia, intitulada "Maria no coração da Evangelização". Esperamos que em breve seja disponibilizado em vídeo no Youtube.
(Para ampliar, clique com mouse esquerdo sobre o eslaide. Para salvar no seu computador, use o botão direito do mouse: "salvar imagem como").
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segunda-feira, 18 de julho de 2011
Simpósio Mariano - Conferencia de abertura
De 17 a 20 de julho, acontece em Sáo Paulo, no Colégio Arquidiocesano, o Simpósio de Mariologia, promovido pela UMBRASIL (União Marista do Brasil). Na Conferência de abertura, apresentei alguns elementos gerais sobre a mariologia, enquanto parte da teologia, e suas tarefas para hoje. Segue abaixo o esquema dos eslaides, sobretudo para os 200 participantes do evento. (Afonso Murad)
domingo, 10 de julho de 2011
Quem é a mulher, em Apoc 12?
A mulher que aparece aqui, no último livro da Bíblia, é aquela de que se fala na primeira página da Bíblia, em conflito com a serpente (Gn 3,15). É Eva, a primeira mulher. É também a humanidade toda enquanto gera filhos que lutam contra as forças da morte e da maldição. É o povo de Deus, chamado a defender a vida humana, transmitir a benção de Deus a todos os homens e mulheres (cf. Gn 12,1-3) e consertar o mundo estragado pela maldição. A mulher (também) é Nossa Senhora, em que se afunilou toda esta luta contra a maldição e a morte. É Maria, a moça humilde e pobre de Nazaré, enquanto gera o menino Jesus, esperança de libertação para todos.
Esta mulher, gritando em dores de parto, representa a esperança de vida que existe no coração de todos, sobretudo dos pobres. Esperança, ao mesmo tempo, frágil e forte. É frágil como a mulher na hora de dar à luz: não tem defesa, nem pode lutar, pois está totalmente entregue a doar a vida nova a um novo ser humano. Mas, por isso mesmo, ela é forte, o ser mais forte do mundo! Sem as mulheres frágeis com coragem de dar à luz, a vida já teria cessado sobre a face da terra e nós não teríamos nascido.
Aquela luta, anunciada por Deus, desde a primeira página da Bíblia, atinge agora o seu ponto decisivo em Maria que dá à luz ao menino Jesus. Maria representa todas as mães que geram filhos e que garantem, assim, o futuro da humanidade. (Representa também) as mães que lutam para transmitir aos filhos a sua esperança, a sua vontade imensa de ser gente. Simboliza todas as pessoas que acreditam no bem e na vida, que lutam para que a vida possa vencer a maldição que entrou no mundo pela serpente. Ela representa sobretudo o “povo humilde e pobre que busca a sua esperança unicamente em Deus” (Sf 3,12)
Sintetizado de: Carlos Mesters, Maria, a mãe de Jesus.Vozes, 3ed, 1987, p.76-77.
Esta mulher, gritando em dores de parto, representa a esperança de vida que existe no coração de todos, sobretudo dos pobres. Esperança, ao mesmo tempo, frágil e forte. É frágil como a mulher na hora de dar à luz: não tem defesa, nem pode lutar, pois está totalmente entregue a doar a vida nova a um novo ser humano. Mas, por isso mesmo, ela é forte, o ser mais forte do mundo! Sem as mulheres frágeis com coragem de dar à luz, a vida já teria cessado sobre a face da terra e nós não teríamos nascido.
Aquela luta, anunciada por Deus, desde a primeira página da Bíblia, atinge agora o seu ponto decisivo em Maria que dá à luz ao menino Jesus. Maria representa todas as mães que geram filhos e que garantem, assim, o futuro da humanidade. (Representa também) as mães que lutam para transmitir aos filhos a sua esperança, a sua vontade imensa de ser gente. Simboliza todas as pessoas que acreditam no bem e na vida, que lutam para que a vida possa vencer a maldição que entrou no mundo pela serpente. Ela representa sobretudo o “povo humilde e pobre que busca a sua esperança unicamente em Deus” (Sf 3,12)
Sintetizado de: Carlos Mesters, Maria, a mãe de Jesus.Vozes, 3ed, 1987, p.76-77.
quinta-feira, 30 de junho de 2011
Alunos de mariologia do ISTA
Terminamos o curso de mariologia no ISTA (Instituto Santo Tomás de Aquino), em Belo Horizonte. Contamos com uma turma animada, curiosa, criativa e participativa. Os trabalhos finais foram de ótima qualidade. Alguns serão disponibilizados na Internet, como um serviço à evangelização.
Grande abraço!
Ir. Afonso Murad
domingo, 26 de junho de 2011
O Vaticano e Aparições recentes
Reportagem Andrea Tornielli, publicada no síte Vatican Insider, 13-06-2011. Tradução de Moisés Sbardelotto.
No dia 25 de junho, completam-se os 30 anos das aparições marianas em Medjugorje. Do que se trata? As aparições de Medjugorje começaram em 1981, quando alguns jovens do pequeno país da Bósnia-Herzegovina disseram ter visto Nossa Senhora. Alguns deles, 30 anos depois, afirmam ainda ter uma aparição diária. A característica totalmente nova dessas aparições está no fato de que a visão não está ligada a um lugar, mas ocorre em todos os lugares em que os videntes se encontram.
As aparições de Medjugorje são aprovadas pela Igreja? Não, o julgamento desses aparições ainda está pendente. O papa, dado o porte internacional do fenômeno e a discordância de pareceres entre o bispo local e outros bispos do país, nomeou uma comissão internacional, confiando-lhe a liderança ao cardeal Camillo Ruini, para avaliar os testemunhos e manifestar um julgamento. Esse também é um fato totalmente excepcional: o reconhecimento de uma aparição cabe ao julgamento do bispo local.
Quantas são as aparições marianas e quais são as principais entre as que são reconhecidas oficialmente pela Igreja Católica? Nos 20 séculos de história cristã, contam-se cerca de duas mil indicações relativas a aparições marianas que tiveram uma certa relevância histórica. As que são reconhecidas pela Igreja nos últimos dois séculos são apenas uma dezena. As mais importantes entre as reconhecidas são: Guadalupe, no México (1531); Rue du Bac, em Paris (1830); La Salette, na França (1846); Lourdes, na França (1858); Fátima, em Portugal (1917); Banneux, na Bélgica (1933); Amsterdã, na Holanda (1945); Akita, no Japão (1973); Kibeho, em Ruanda (1981).
Qual é a atitude da Igreja diante desses fenômenos? Muito prudente, ou melhor, muito prudente mesmo. Antes de se pronunciar, a autoridade eclesiástica procede com pés de chumbo. O bispo do lugar, se considera que há pressupostos, geralmente institui uma comissão teológica, que interroga os videntes e avalia os testemunhos, avaliando também eventuais mensagens ligadas à aparição.
Quais são os critérios utilizados pela Igreja para apurar a autenticidade de uma aparição? A credibilidade dos videntes: jamais devem se contradizer, seus relatos devem ser coerentes, devem ser reconhecidos saudáveis do ponto de vista mental. Em segundo lugar, a ortodoxia das eventuais mensagens, que devem estar de acordo com a mensagem evangélica e também com o magistério da Igreja. Finalmente, os frutos, ou seja, as conversões e as eventuais graças ligadas ao lugar da aparição.
Que julgamento o bispo pode dar no fim do processo? Estão previstas três fórmulas para três diferentes tipos de julgamento. Se a autoridade eclesiástica chega a verificar que se tratou de uma fraude ou até da fantasia de algum visionário, o julgamento é "constat de non supernaturalitate", isto é, consta a não sobrenaturalidade. Se, ao contrário, o julgamento é interlocutório e não foi possível apurar a veracidade, mas nem desmenti-la, se adota a fórmula "non constat de supernaturalitate", isto é, não consta a sobrenaturalidade, mas isso não exclui que possa ser verificada em um segundo momento. Esse último julgamento foi utilizado para Medjugorje.
Qual foi a aparição mariana que durou mais tempo? A poucas dezenas de quilômetros da fronteira com o Piemonte, nos Alpes Marítimos de Dauphiné, em Laus, entre 1664 e 1718, Nossa Senhora apareceu por 54 anos a uma pobre pastora analfabeta, Benoite Rencurel. As aparições de Laus foram reconhecidas oficialmente no dia 13 de junho de 2008 pelo bispo de Gap et d'Embrun, Dom Jean-Michel di Falco-Leandri.
Um fiel católico deve acreditar nas aparições marianas reconhecidas oficialmente pela Igreja? Não, o fiel católico não é obrigado a acreditar nas aparições marianas, embora reconhecidas oficialmente. A Igreja considera concluída a revelação pública com a morte dos apóstolos e, portanto, todas as aparições, todas as mensagens posteriores, mesmo que tenham um valor universal, são consideradas revelações "privadas", as quais o fiel não é obrigado a acreditar, porque não acrescentam nada à mensagem evangélica e ao magistério da Igreja.
Por que, de acordo com os teólogos católicos, Nossa Senhora se revelaria em tantas aparições? O significado é o da ajuda, do apoio, às vezes da advertência, sempre acompanhado pelo convite à oração e à conversão: em Fátima, Nossa Senhora apareceu às vésperas da Revolução de Outubro e falou sobre a Rússia. Em Kibeho, em Ruanda, com dez anos de antecedência, ela apresentou aos videntes a visão de lagos e rios de cor vermelho como sangue, cenários que se verificariam por ocasião dos tremendos confrontos entre as etnias hutu e tutsi.
No dia 25 de junho, completam-se os 30 anos das aparições marianas em Medjugorje. Do que se trata? As aparições de Medjugorje começaram em 1981, quando alguns jovens do pequeno país da Bósnia-Herzegovina disseram ter visto Nossa Senhora. Alguns deles, 30 anos depois, afirmam ainda ter uma aparição diária. A característica totalmente nova dessas aparições está no fato de que a visão não está ligada a um lugar, mas ocorre em todos os lugares em que os videntes se encontram.
As aparições de Medjugorje são aprovadas pela Igreja? Não, o julgamento desses aparições ainda está pendente. O papa, dado o porte internacional do fenômeno e a discordância de pareceres entre o bispo local e outros bispos do país, nomeou uma comissão internacional, confiando-lhe a liderança ao cardeal Camillo Ruini, para avaliar os testemunhos e manifestar um julgamento. Esse também é um fato totalmente excepcional: o reconhecimento de uma aparição cabe ao julgamento do bispo local.
Quantas são as aparições marianas e quais são as principais entre as que são reconhecidas oficialmente pela Igreja Católica? Nos 20 séculos de história cristã, contam-se cerca de duas mil indicações relativas a aparições marianas que tiveram uma certa relevância histórica. As que são reconhecidas pela Igreja nos últimos dois séculos são apenas uma dezena. As mais importantes entre as reconhecidas são: Guadalupe, no México (1531); Rue du Bac, em Paris (1830); La Salette, na França (1846); Lourdes, na França (1858); Fátima, em Portugal (1917); Banneux, na Bélgica (1933); Amsterdã, na Holanda (1945); Akita, no Japão (1973); Kibeho, em Ruanda (1981).
Qual é a atitude da Igreja diante desses fenômenos? Muito prudente, ou melhor, muito prudente mesmo. Antes de se pronunciar, a autoridade eclesiástica procede com pés de chumbo. O bispo do lugar, se considera que há pressupostos, geralmente institui uma comissão teológica, que interroga os videntes e avalia os testemunhos, avaliando também eventuais mensagens ligadas à aparição.
Quais são os critérios utilizados pela Igreja para apurar a autenticidade de uma aparição? A credibilidade dos videntes: jamais devem se contradizer, seus relatos devem ser coerentes, devem ser reconhecidos saudáveis do ponto de vista mental. Em segundo lugar, a ortodoxia das eventuais mensagens, que devem estar de acordo com a mensagem evangélica e também com o magistério da Igreja. Finalmente, os frutos, ou seja, as conversões e as eventuais graças ligadas ao lugar da aparição.
Que julgamento o bispo pode dar no fim do processo? Estão previstas três fórmulas para três diferentes tipos de julgamento. Se a autoridade eclesiástica chega a verificar que se tratou de uma fraude ou até da fantasia de algum visionário, o julgamento é "constat de non supernaturalitate", isto é, consta a não sobrenaturalidade. Se, ao contrário, o julgamento é interlocutório e não foi possível apurar a veracidade, mas nem desmenti-la, se adota a fórmula "non constat de supernaturalitate", isto é, não consta a sobrenaturalidade, mas isso não exclui que possa ser verificada em um segundo momento. Esse último julgamento foi utilizado para Medjugorje.
Qual foi a aparição mariana que durou mais tempo? A poucas dezenas de quilômetros da fronteira com o Piemonte, nos Alpes Marítimos de Dauphiné, em Laus, entre 1664 e 1718, Nossa Senhora apareceu por 54 anos a uma pobre pastora analfabeta, Benoite Rencurel. As aparições de Laus foram reconhecidas oficialmente no dia 13 de junho de 2008 pelo bispo de Gap et d'Embrun, Dom Jean-Michel di Falco-Leandri.
Um fiel católico deve acreditar nas aparições marianas reconhecidas oficialmente pela Igreja? Não, o fiel católico não é obrigado a acreditar nas aparições marianas, embora reconhecidas oficialmente. A Igreja considera concluída a revelação pública com a morte dos apóstolos e, portanto, todas as aparições, todas as mensagens posteriores, mesmo que tenham um valor universal, são consideradas revelações "privadas", as quais o fiel não é obrigado a acreditar, porque não acrescentam nada à mensagem evangélica e ao magistério da Igreja.
Por que, de acordo com os teólogos católicos, Nossa Senhora se revelaria em tantas aparições? O significado é o da ajuda, do apoio, às vezes da advertência, sempre acompanhado pelo convite à oração e à conversão: em Fátima, Nossa Senhora apareceu às vésperas da Revolução de Outubro e falou sobre a Rússia. Em Kibeho, em Ruanda, com dez anos de antecedência, ela apresentou aos videntes a visão de lagos e rios de cor vermelho como sangue, cenários que se verificariam por ocasião dos tremendos confrontos entre as etnias hutu e tutsi.
terça-feira, 21 de junho de 2011
Maria e o Espírito Santo
Maria é mais do que terra vazia à qual vem o Espírito de Deus para criar. É mais do que um templo ou tabernáculo onde a nuvem de Deus se torna visível. Maria é uma pessoa, e o seu encontro com Deus deve ser tematizado a partir de sua realidade pessoal: a presença do Espírito em Maria implica uma série de traços de diálogo interpessoal e liberdade, de chamado e resposta, de amor e obediência. Isso nos leva a um campo inesperadamente novo de presença de Deus e de sentido do Espírito, que pode assim se concretizar:
- O Espírito aparece diante de Maria como o poder de Deus que se atualiza em forma de diálogo: é o campo de palavra e de resposta de Deus, encontro onde o poder do Altíssimo e a liberdade amorosa e confiante do ser humano se encontram.
- A partir desse momento, a realidade do Espírito de Deus, como poder de criação e presença salvadora do povo de Israel, não pode separar-se da atitude e da pessoa de Maria. Ela não é como um objeto ou uma espécie de terra sobre a qual o Espírito sobrevém de fora. Com sua aceitação e sua resposta, por ser amada e por sua obediência transparente, Maria se converte em expressão do Espírito.
Há uma relação mútua entre o Espírito Santo e Maria. Ele, como força de santidade fecundante de Deus, torna Maria Mãe de seu Filho. Assim, Maria se torna também aquela que revela e atualiza um traço radical do mistério do Espírito. E há também algo na direção inversa. Maria oferece ao Espírito de Deus um campo de realização e fecundidade. Somente por sua colaboração e transparência, o Espírito começa a ser, em plenitude, o campo de mistério e vida em que Cristo surge
(Condensado de: Xabier Pikaza, Maria e o Espírito Santo. Notas para um mariologia pneumatológica. São Paulo: Loyola, 1987, p. 41-42).
- O Espírito aparece diante de Maria como o poder de Deus que se atualiza em forma de diálogo: é o campo de palavra e de resposta de Deus, encontro onde o poder do Altíssimo e a liberdade amorosa e confiante do ser humano se encontram.
- A partir desse momento, a realidade do Espírito de Deus, como poder de criação e presença salvadora do povo de Israel, não pode separar-se da atitude e da pessoa de Maria. Ela não é como um objeto ou uma espécie de terra sobre a qual o Espírito sobrevém de fora. Com sua aceitação e sua resposta, por ser amada e por sua obediência transparente, Maria se converte em expressão do Espírito.
Há uma relação mútua entre o Espírito Santo e Maria. Ele, como força de santidade fecundante de Deus, torna Maria Mãe de seu Filho. Assim, Maria se torna também aquela que revela e atualiza um traço radical do mistério do Espírito. E há também algo na direção inversa. Maria oferece ao Espírito de Deus um campo de realização e fecundidade. Somente por sua colaboração e transparência, o Espírito começa a ser, em plenitude, o campo de mistério e vida em que Cristo surge
(Condensado de: Xabier Pikaza, Maria e o Espírito Santo. Notas para um mariologia pneumatológica. São Paulo: Loyola, 1987, p. 41-42).
domingo, 12 de junho de 2011
Meu bom José
Olhe o que foi meu bom José
Se apaixonar pela donzelaDentre todas a mais bela
De toda sua Galileia
Meu bom José, você podia
E nada disso acontecia,
Mas você foi amar Maria
Você podia ser simplesmente
Ser carpinteiro e trabalhar
Sem nunca ter que se exilar
E se esconder com Maria
Meu bom José você podia
Ter muitos filhos com Maria
E seu oficio ensinar
Como seu pai sempre fazia
Porque será meu bom José
Que esse seu pobre filho um dia
Andou com estranhas ideias
Que fizeram chorar Maria
Me lembro às vezes de você
Meu bom José, meu pobre amigo
Que nessa vida só queria
Ser feliz com sua Maria
sexta-feira, 10 de junho de 2011
Maria em Lucas (Video)
Video sobre Maria no Evangelho de Lucas, parte da coleção "Trem da mariologia".
terça-feira, 31 de maio de 2011
Visitação
A visita de Maria a Isabel (Elizabeth, no texto original de Lucas) é uma narração forte, intensa, permeada de emoção e atitudes decididas. Não sabemos com as coisas aconteceram, pois não se trata de uma reportagem histórica e sim de uma narração histórico-simbólica. Por isso, vamos descobrir o sentido atual da visitação.
Tudo começa com Maria, que se levanta e vai apressadamente ao encontro de sua parenta Elizabeth. Atitude de desprendimento, de decisão: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer! (G.Vandré)”. A simples saudação já provoca mudanças. O feto pula de alegria no ventre de Elizabeth. Ela é tomada pela presença do Espírito Santo, que já está presente em Maria, a discípula-missionária. Brotam daí belas expressões de reconhecimento. A primeira é uma proclamação da comunidade de Lucas a respeito de Maria: “Feliz de você que a acreditou!”, “Bendita é você entre as mulheres e bendito é o fruto de seu ventre”. Maria responde com um cântico de louvor a Deus, recordando a ação do Senhor na sua vida e na história de seu povo.
Qual o motivo que teria levado Maria a visitar Elizabeth? Comumente, reconhecemos no gesto de Maria o modelo de atitude dos cristãos que, em espírito missionário, partem em direção aos outros para lhes anunciar a Boa Nova de Jesus. Ou então, o serviço simples, despojado de pretensões, de estar ao lado de quem necessita. Ou seja, anúncio e serviço. O texto de Lucas dá margem para entender assim o sentido da visitação. Os biblistas, ao lerem o texto em chave cristológica, apontam que o encontro de Maria com Elizabeth sinaliza a diferença entre João Batista e Jesus, para mostrar o lugar especial que o segundo tem, em relação ao primeiro. Elizabeth (e João) simbolizam a comunidade judaica que se abre à novidade de Jesus e de sua mensagem. Na visita de Maria a Elizabeth não acontece um encontro qualquer, e sim o simples e profundo encontro de duas histórias que se cruzam: a do Povo de Israel, que espera a vinda do Messias, e o Povo Novo que se inicia com Jesus, seus discípulos e discípulas.
Lilia Sebastiani, no livro “Maria e Isabel – Ícone da solidariedade” (Paulinas, 1998) acrescenta outra razão. Segundo ela, “naquele tempo era normal que as mulheres grávidas, ou parturientes, ou com bêbes recém-nascidos, fossem ajudadas por outras mulheres. Em geral, por mulheres maduras e de grande experiência, que tinham dado à luz muitos filhos e viviam nas redondezas. Não se vê porque Isabel deveria precisar da ajuda de uma mocinha que, além de vir de outra região, não sabia nada a respeito de gravidez e de parto (..) Maria teria deixado Isabel longo após o momento do parto (Lc, 1,56), exatamente quando a mãe idosa mais poderia precisar dela” (p.54).
Qual seria o sentido da viagem de Maria em direção a Isabel, além do serviço solidário? Conforme L. Sebastiani, “Maria foi à procura de Isabel movida pelo desejo de aprofundar, mediante o diálogo, o conhecimento da revelação que tinha recebido. Em outros termos: para confirmar e ser confirmada na fé. Sua viagem à Judéia é um símbolo do caminho da fé que precisa ser testemunhada, compartilhada, que precisa servir; dessa fé que se faz encontro, que é escuta da Palavra de Deus, Palavra que, quando é ouvida com autenticidade, é profundamente criativa e dialogante” (p.55).
Há tantos motivos para a visitação de Maria a Elizabeth! Que eles nos estimulem a promover encontros alegres, significativos, iluminadores, dialogantes, reveladores. Encontros que se iniciam na saudação calorosa, expressem comunhão de sentimentos e partilha, e se voltem para Deus, em louvor e gratidão: “O senhor faz em nós maravilhas, Santo é seu nome”.
Tudo começa com Maria, que se levanta e vai apressadamente ao encontro de sua parenta Elizabeth. Atitude de desprendimento, de decisão: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer! (G.Vandré)”. A simples saudação já provoca mudanças. O feto pula de alegria no ventre de Elizabeth. Ela é tomada pela presença do Espírito Santo, que já está presente em Maria, a discípula-missionária. Brotam daí belas expressões de reconhecimento. A primeira é uma proclamação da comunidade de Lucas a respeito de Maria: “Feliz de você que a acreditou!”, “Bendita é você entre as mulheres e bendito é o fruto de seu ventre”. Maria responde com um cântico de louvor a Deus, recordando a ação do Senhor na sua vida e na história de seu povo.
Qual o motivo que teria levado Maria a visitar Elizabeth? Comumente, reconhecemos no gesto de Maria o modelo de atitude dos cristãos que, em espírito missionário, partem em direção aos outros para lhes anunciar a Boa Nova de Jesus. Ou então, o serviço simples, despojado de pretensões, de estar ao lado de quem necessita. Ou seja, anúncio e serviço. O texto de Lucas dá margem para entender assim o sentido da visitação. Os biblistas, ao lerem o texto em chave cristológica, apontam que o encontro de Maria com Elizabeth sinaliza a diferença entre João Batista e Jesus, para mostrar o lugar especial que o segundo tem, em relação ao primeiro. Elizabeth (e João) simbolizam a comunidade judaica que se abre à novidade de Jesus e de sua mensagem. Na visita de Maria a Elizabeth não acontece um encontro qualquer, e sim o simples e profundo encontro de duas histórias que se cruzam: a do Povo de Israel, que espera a vinda do Messias, e o Povo Novo que se inicia com Jesus, seus discípulos e discípulas.
Lilia Sebastiani, no livro “Maria e Isabel – Ícone da solidariedade” (Paulinas, 1998) acrescenta outra razão. Segundo ela, “naquele tempo era normal que as mulheres grávidas, ou parturientes, ou com bêbes recém-nascidos, fossem ajudadas por outras mulheres. Em geral, por mulheres maduras e de grande experiência, que tinham dado à luz muitos filhos e viviam nas redondezas. Não se vê porque Isabel deveria precisar da ajuda de uma mocinha que, além de vir de outra região, não sabia nada a respeito de gravidez e de parto (..) Maria teria deixado Isabel longo após o momento do parto (Lc, 1,56), exatamente quando a mãe idosa mais poderia precisar dela” (p.54).
Qual seria o sentido da viagem de Maria em direção a Isabel, além do serviço solidário? Conforme L. Sebastiani, “Maria foi à procura de Isabel movida pelo desejo de aprofundar, mediante o diálogo, o conhecimento da revelação que tinha recebido. Em outros termos: para confirmar e ser confirmada na fé. Sua viagem à Judéia é um símbolo do caminho da fé que precisa ser testemunhada, compartilhada, que precisa servir; dessa fé que se faz encontro, que é escuta da Palavra de Deus, Palavra que, quando é ouvida com autenticidade, é profundamente criativa e dialogante” (p.55).
Há tantos motivos para a visitação de Maria a Elizabeth! Que eles nos estimulem a promover encontros alegres, significativos, iluminadores, dialogantes, reveladores. Encontros que se iniciam na saudação calorosa, expressem comunhão de sentimentos e partilha, e se voltem para Deus, em louvor e gratidão: “O senhor faz em nós maravilhas, Santo é seu nome”.
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Perfil de Maria na sociedade plural
Neste vídeo, produzido no seminário de Mariologia em Recife, apresento diferentes visões sobre Maria na sociedade brasileira. Dentre elas, destaco cinco : devocional católica, protestante histórica, protestante de missão, eclético e novas visões católicas. (Afonso Murad)
sexta-feira, 13 de maio de 2011
Coroar a Maria, hoje
Partilho com vocë este texto de JB Libanio, muito apropriado para este mes de maio.
Os símbolos resistem à história que os gerou. Coroa, coroação remontam à Antiguidade. Vêm do Oriente. Os orientais amam as pompas, os ritos, as solenidades longas e festivas. O Ocidente romano opta pela sobriedade. Mas mesmo assim deixou-se seduzir frequentemente pelas belezas do Oriente.
Conhecemos coroações de reis, imperadores, papas. Paulo VI, ao despojar-se da tiara, doando-a aos pobres, encerrou a longa tradição de coroação de papas. As coroas simbolizam também vitórias desportivas ou literárias, triunfos militares, manifestações do poder e da divindade. Há as simples, como a coroa de louros.
As coroações de reis quase desapareceram. As democracias criaram uma conferição de poder absolutamente secularizada e despojada do esplendor das entronizações antigas. Entre os imperadores, sagrados nos ritos litúrgicos, estão os nossos dois Pedro I e II.
A coroação, no entanto, permanece viva na fantasia, especialmente infantil. Daí a importância da coroação de Nossa Senhora. Ela toca o coração inocente das crianças que se encantam do rito, do canto, da roupa, do conjunto gestual, de participar desse mundo diferente, bonito, de pureza. Tão diferente das misérias que elas vêem e sofrem a seu lado. A coroação arrebata-as para um nimbo suave e agradável. E os adultos, que não perderam a dimensão simbólica da vida, vivenciam com gozo tal momento litúrgico. O visível da inocência terrestre a coroar a Virgem do Céu arranca-os da realidade tão pouco inocente e tão longe do céu. A coroação de Nossa Senhora pertence ao patrimônio espiritual da Igreja. Mantê-la viva resguarda riqueza da alma religiosa brasileira.
A presença da Virgem Maria na vida e cultura do povo, malgrado o solapamento que vem sofrendo por parte de crentes influenciados por ondas de outra cultura e origem, permanece um valor, independentemente de devoções pessoais. Vibra a corda interior que nos torna a vida mais humana, sensível, poética. Eleva-nos de cotidiano desgastante e estressante para a presença do mistério. Maria simboliza, na sua realidade de Mãe de Jesus e de seus seguidores, o necessário lado feminino da fé e da religião.
Sob esse ângulo, a coroação de Maria oferece-nos um gancho para relacioná-la com o dia das mães. Há um jogo de distância e proximidade entre ambos. A coroação encontra em passado longínquo sua origem e por isso nos deixou marcas indeléveis no imaginário. Institui-se o dia das mães, em data recente, ligado a interesses comerciais. No entanto, ambas encontram-se no mais profundo do inconsciente humano. Coroação e mãe traduzem arquétipos, cujo conteúdo de imagem e de símbolo mexe com o inconsciente social, compartilhado por toda a humanidade. E a força desses símbolos aparece nas estórias infantis, nos mitos e nas lendas do povo e toca o interior de cada um de nós. Quem não deixa de sonhar, imaginar e sentir desejos elevados quando lhe soa a palavra mãe, lhe desenha a imagem da coroa ou lhe vem a recordação das coroações da infância? Necessita ter sido estragado simbolicamente para secar-se diante de tal manancial imagético.
A ressonância do termo mãe nem sempre corresponde à realidade concreta da mãe de carne que se tem. Mas o fato de sua alta força simbólica provoca duplo efeito positivo. Estimula as mães a realizarem na vida real aquilo que o mito mãe criou delas. Ter diante de si um horizonte amplo ajuda-as a andar em sua direção. O ser humano carece de ideais para prosseguir a caminhada no meio das dificuldades. Custa ser mãe hoje. Elas precisam dessa mola simbólica que as anime e fortaleça.
A imagem idealizada da mãe contribui para despertar nos filhos energias espirituais de crescimento humano. Esse amor tem dimensão espontânea de gratuidade e serve para mantê-los em atitude semelhante em relação aos irmãos e aos outros.
Coroar Maria hoje significa mais do que simples ato de piedade tradicional. Tem alcance religioso e simbólico que humaniza uma cultura em vias de perder a sensibilidade para realidades superiores e de afundar-se no hedonismo materialista.
Os símbolos resistem à história que os gerou. Coroa, coroação remontam à Antiguidade. Vêm do Oriente. Os orientais amam as pompas, os ritos, as solenidades longas e festivas. O Ocidente romano opta pela sobriedade. Mas mesmo assim deixou-se seduzir frequentemente pelas belezas do Oriente.
Conhecemos coroações de reis, imperadores, papas. Paulo VI, ao despojar-se da tiara, doando-a aos pobres, encerrou a longa tradição de coroação de papas. As coroas simbolizam também vitórias desportivas ou literárias, triunfos militares, manifestações do poder e da divindade. Há as simples, como a coroa de louros.
As coroações de reis quase desapareceram. As democracias criaram uma conferição de poder absolutamente secularizada e despojada do esplendor das entronizações antigas. Entre os imperadores, sagrados nos ritos litúrgicos, estão os nossos dois Pedro I e II.
A coroação, no entanto, permanece viva na fantasia, especialmente infantil. Daí a importância da coroação de Nossa Senhora. Ela toca o coração inocente das crianças que se encantam do rito, do canto, da roupa, do conjunto gestual, de participar desse mundo diferente, bonito, de pureza. Tão diferente das misérias que elas vêem e sofrem a seu lado. A coroação arrebata-as para um nimbo suave e agradável. E os adultos, que não perderam a dimensão simbólica da vida, vivenciam com gozo tal momento litúrgico. O visível da inocência terrestre a coroar a Virgem do Céu arranca-os da realidade tão pouco inocente e tão longe do céu. A coroação de Nossa Senhora pertence ao patrimônio espiritual da Igreja. Mantê-la viva resguarda riqueza da alma religiosa brasileira.
A presença da Virgem Maria na vida e cultura do povo, malgrado o solapamento que vem sofrendo por parte de crentes influenciados por ondas de outra cultura e origem, permanece um valor, independentemente de devoções pessoais. Vibra a corda interior que nos torna a vida mais humana, sensível, poética. Eleva-nos de cotidiano desgastante e estressante para a presença do mistério. Maria simboliza, na sua realidade de Mãe de Jesus e de seus seguidores, o necessário lado feminino da fé e da religião.
Sob esse ângulo, a coroação de Maria oferece-nos um gancho para relacioná-la com o dia das mães. Há um jogo de distância e proximidade entre ambos. A coroação encontra em passado longínquo sua origem e por isso nos deixou marcas indeléveis no imaginário. Institui-se o dia das mães, em data recente, ligado a interesses comerciais. No entanto, ambas encontram-se no mais profundo do inconsciente humano. Coroação e mãe traduzem arquétipos, cujo conteúdo de imagem e de símbolo mexe com o inconsciente social, compartilhado por toda a humanidade. E a força desses símbolos aparece nas estórias infantis, nos mitos e nas lendas do povo e toca o interior de cada um de nós. Quem não deixa de sonhar, imaginar e sentir desejos elevados quando lhe soa a palavra mãe, lhe desenha a imagem da coroa ou lhe vem a recordação das coroações da infância? Necessita ter sido estragado simbolicamente para secar-se diante de tal manancial imagético.
A ressonância do termo mãe nem sempre corresponde à realidade concreta da mãe de carne que se tem. Mas o fato de sua alta força simbólica provoca duplo efeito positivo. Estimula as mães a realizarem na vida real aquilo que o mito mãe criou delas. Ter diante de si um horizonte amplo ajuda-as a andar em sua direção. O ser humano carece de ideais para prosseguir a caminhada no meio das dificuldades. Custa ser mãe hoje. Elas precisam dessa mola simbólica que as anime e fortaleça.
A imagem idealizada da mãe contribui para despertar nos filhos energias espirituais de crescimento humano. Esse amor tem dimensão espontânea de gratuidade e serve para mantê-los em atitude semelhante em relação aos irmãos e aos outros.
Coroar Maria hoje significa mais do que simples ato de piedade tradicional. Tem alcance religioso e simbólico que humaniza uma cultura em vias de perder a sensibilidade para realidades superiores e de afundar-se no hedonismo materialista.
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