domingo, 14 de agosto de 2011

Maria Mãe de Deus

Sentido teológico e antropológico do Dogma da Theotókos

O Filho de Deus nasceu de mulher, recebeu dela uma carne como a nossa, uma substância como a nossa. A compreensão do mistério de Jesus, o Filho de Deus feito homem, comportava uma forma peculiar de entender a maternidade de Maria. A Igreja confessou - em sua ortodoxia - que Jesus é o Filho de Deus, consubstancial ao Pai e consubstancial a nós, em unidade de pessoa. Por isso, dada a intercomunicação entre sua natureza divina e humana (comunicação de idiomas), Maria é autêntica Theotokos.

Portanto, no dogma da Theotokos é ressaltada Maria como Mãe de Deus segundo a carne, o que significa superar o dualismo da filosofia helenística e introduzir pessoalmente a Deus na humanidade concreta e em sua história, rompendo dessa forma com toda concepção espiritualista. Na afirmação de que Maria é mãe histórica de Jesus, Filho de Deus, não pode existir idealismo nem separação de corpo e espírito. Esse dogma nos situa no coração da realidade humana, que nasce e se expressa sempre em concreto, abrindo-se dessa forma ao dom da vida e ao destino da morte.

O dogma de Maria, Mãe de Deus, inscreve-se no caminho que vai de Niceia (Jesus tem natureza divina) a Calcedônia (Jesus tem natureza divina e humana). Afirma que Jesus é Deus transcendente sendo um homem concreto. Este é o dogma, o princípio fundamentador da fé que ilumina a história humana ao afirmar que Deus existe e se identifica com um homem concreto, com sua própria carne e sangue, ou seja, com sua humanidade marcada pelo nascimento e a morte.
De tal modo isso é verdade que Deus acaba sendo revelado como a vida originária que se encarna por Maria na carne concreta da história. Por isso, buscar a Deus é descobrir sua presença na própria história e na realidade humana, nos acontecimentos que se sucedem no âmago da história. Eis o que manifesta o Concílio de Éfeso por meio do dogma cristão da Thetokos, dogma que nos leva além de qualquer intenção espiritualista.

Com respeito à proclamação de Éfeso, observamos:
- A maternidade divina acontece, segundo Éfeso, no momento do processo genético da concepção e do parto. Qualquer outro aspecto concernente ao desenvolvimento psicológico e pedagógico da maternidade, como a relação entre mãe e filho, é estranho às preocupações em que se desenvolveu o Concílio.
- A reflexão teológica de Éfeso, mais do que ilustrar as diversas perspectivas bíblicas da maternidade de Maria, se detém no prólogo de João e na referência de Paulo aos Gálatas (4,4-5).
- O documento carece de toda referência ao Espírito Santo e a sua ação na maternidade divina.
- A partir da proclamação da Theotokos, foi esquecida durante um período longo a realidade humilde e evangélica de Maria como serva do Senhor.

Este dogma não pretende resolver problemas sobre a família de Jesus, a concepção virginal ou a mediação mariana; apenas ressalta algo que estava na raiz do evangelho e constitui o pressuposto de todas as cristologias e mariologias: o Verbo de Deus se fez carne em Jesus; Maria é Mãe de Deus em sua função concreta - histórica, pessoal, frágil e arriscada - de gerar e acompanhar educacionalmente Jesus, o Cristo.

A formulação original relativa à maternidade divina de Maria teve um lento e gradual desenvolvimento, tanto em sua terminologia como em seu conteúdo. Enquanto que nos três primeiros concílios o tema aparece como um corolário da encarnação do Verbo, o Concílio Vaticano II engloba o mistério total da pessoa e da missão de Maria. Em Éfeso e Calcedônia, a preocupação era esclarecer a legitimidade e a propriedade da Theotokos; em Constantinopla e no Vaticano II, foi desenvolvida a perspectiva e a finalidade da encarnação* como acontecimento salvífico. A maternidade divina e salvífica foi lida e aprofundada no Vaticano lI, que indicou novas perspectivas, dimensões e critérios que iluminam a reflexão teológica.

A maternidade de Maria nos fala da vocação da humanidade à fecundidade plena, e da recuperação do corpo como condição em que convergem o querer de Deus e o desejo humano. Pode, também, nos proporcionar as diretrizes de uma evangélica libertação feminina, onde o masculino e patriarcal renuncie ao desejo de domínio e poder baseado na prepotência e na violência do mais forte, que falsifica e perverte as estruturas, organizações e instituições de qualquer tipo.

Maria em sua função maternal não é a imagem de uma mulher submetida, dependente, nem de uma deusa, e sim a imagem da pessoa que foi a mais próxima e mais unida ao divino por ter sido plenificada pelo Espírito Santo, e por encarnar o Verbo de Deus. Sua vida nos desafia a despertar o sentimento maternal como atitude que permite a outras pessoas viver e crescer, que respeita a liberdade e a responsabilidade das outras.

A partir dessa atitude de ser-em relação, que dá a vida de maneira fecunda e ativa, a mulher e o homem podem crescer no terreno das relações e da mútua dependência, e em autonomia humana. O processo maternal de Maria, que também inclui o Magnificat, chama-nos a resistir aos poderes dominantes a partir da criatividade que nasce do amor. Assim, a maternidade de Maria, a Theotokos, pode ser inspiração tanto para a mulher como para o homem.

(Clara Temporelli, Maria. Mulher de Deus e dos pobres. Releitura dos dogmas marianos. São Paulo: Paulus, 2010, p. 70-75)

Um comentário:

Oberdan Henrique Fiorese disse...

Olá, professor: Esse poema deve se a festa da Natividade e achei que possa lhe servir para avaliação e em seus trabalhos.
NATIVIDADE DA MÃE DE DEUS


Em Nazareth já tocaram os sinos;
Em todo o mundo eles soaram:
Anjos cantaram seus divinos hinos,
Vozes da Criação dos Céus voaram. . .
Lá floresceu Palmeira do Deserto,
Prometida ao justo, ao eleito
Da graça - José, o ramo aberto
Do Ser Eterno, a Homem Afeito.

Palmeira-Esperança aos andantes
Pelo mundo, teus ramos verdejantes
Abrem-se aos céus com as tuas graças

Como braços nos caminhos que traças:
São os teus dons eternos em pureza
A brilhar nos séculos com beleza!