Os vizinhos, parentes e amigos a
chamam carinhosamente de “Dozinha”. Mas seu nome de batismo é “Maria das
Dores”. Dozinha trabalha como vendedora de produtos de beleza. Gosta de usar
alguns deles. “Fico mais bonita e cheirosa, diz ela”.
Faz muitos anos, Dozinha se casou
com aquele que acreditava ser o homem de sua vida. Mas não deu certo. O marido
era irresponsável, infiel e dependente de bebida alcoolica. Depois de alguns
anos, ele a deixou sozinha, com três crianças para criar. “E a vida foi uma
luta só”, conta Dozinha. Sem desanimar, ela aprendeu a ser pai e mãe ao mesmo
tempo. E o tempo passou. Dozinha viu os filhos crescerem. Ela tinha uma
especial afeição por Rodrigo, o filho mais novo. Este era carinhoso para com
ela. Elogiava a comida que fazia, sabia dizer “muito obrigado, mãe!”. Nos dois
últimos anos Rodrigo começou a ficar meio estranho. A mãe desconfiou que ele
estava consumindo droga. Conversou com o filho, mas Rodrigo lhe respondeu que “tudo
estava bem”.
Numa trágica sexta-feira, Rodrigo
chegou em casa tarde, vindo do serviço. Comeu rapidamente, deu-lhe um beijo e
disse para Dozinha que ia sair com os amigos. Seu coração de mãe sentiu um
aperto. Veio uma dor forte, intensa, como nunca tinha acontecido. Dozinha
começou a rezar umas Ave-Marias. Ela
tinha a intuição que algo muito ruim iria acontecer. Escutou então uns
estampidos de tiros. Logo chegou a vizinha e lhe disse: “Seu filho foi
baleado”. Dozinha correu, rezando e chorando. Encontrou o filho ensanguentado.
Segurou-o nos braços, já sem vida.
A morte do filho provocou uma crise
de fé profunda em Dozinha. Primeiro, ela se sentiu anestesiada. Não podia
acreditar naquilo. Parecia um pesadelo sem fim. Depois, veio a grande sensação
de perda, sem volta. E a pergunta que não calava: “Por que Deus permitiu isso?
Por que me tirou o dom mais precioso?” Ela começou a clamar, a brigar com
Deus,. Toda sua longa vida de cristã, com muitas certezas, parecia ter se
dissolvido rapidamente.
Então, um dia se lembrou de Maria, a
mãe de Jesus. Imaginou as suas dores na hora da cruz, o abandono que ela também
tinha passado. E pensou: “eu acho que Maria teve a mesma crise. Perdeu o filho
amado, quase perdeu a esperança de viver”. Ela me entende. Assim, Dozinha
passou a rezar para que Maria lhe desse a força para “sair do túmulo”.
Lentamente, Dozinha está fazendo o
caminho de acolher a perda do filho. Repensa também as outras perdas que teve
na vida, como a do ex-marido. Aprendeu a saborear as conquistas e a alegrias.
“A vida de Maria não acabou na sexta-feira da paixão. A minha também não vai
terminar desse jeito”, diz ela. Ao olhar para Maria, Dozinha vê a mulher forte,
que não cedeu diante da dor e do sofrimento. Enfrentou-os com a cabeça erguida.
Maria se tornou sua companheira de caminho, a mãe que lhe dá colo, a amiga entre
as amigas. “As coisas ainda não estão resolvidas, mas fiz as pazes com Deus”.
Se a gente olha a vida de Maria nos
Evangelhos, compreende porque a devoção popular desenvolveu o título de “Nossa
Senhora das Dores”. Não pode ser uma forma de justificar as injustiças ou de
criar nas pessoas aquele sentimento de passividade ou de resignação diante da
dor. Ao contrário. Maria se mostra como uma mulher forte, que enfrenta com
energia as adversidades, junto com José e com Jesus. Simbolicamente, os
evangelhos nos falam destas dificuldades, como a matança das crianças
inocentes, a fuga para o Egito, a vida em terra estrangeira, a perda do menino
no templo. E, para terminar, a dor na hora da cruz.
A partir de Jesus, nos sentimos
solidários com todos os homens e mulheres que padecem. Afirmamos que Jesus é
nossa esperança, o vencedor. Maria testemunha esta vitória de Cristo. E ela nos
acompanha como mãe amorosa. Como faz com Dozinha e tantas outras pessoas.
Afonso Murad - Publicado na “Revista
de Aparecida”, agosto de 2014.