sábado, 31 de janeiro de 2015

Devoção na medida certa

Há muitas coisas na vida, que desfrutamos de forma positiva, se são cultivadas na medida certa. O livro “comer, rezar e amar”, depois transformado em filme, conta a história de uma mulher em busca de felicidade, que descobre lentamente a dosagem adequada de diferentes aspectos da sua existência. Com a devoção a Maria também é assim. Muito boa, sem dúvida, se vivida de maneira equilibrada.

Os nossos bispos, reunidos na sua 5ª Conferência Latino-Americana e caribenha, acontecida em 2007 em Aparecida do Norte, discutiram e escreveram sobre a Evangelização na realidade atual. E, claro, falaram também sobre Maria. O “Documento de Aparecida”, que reúne as conclusões deste encontro, começa reconhecendo a presença da mãe de Jesus na Assembleia. Ele reconhece, com gratidão: “Maria , Mãe de Jesus Cristo e de seus discípulos, tem estado muito perto de nós, tem-nos acolhido, tem cuidado de nós e de nossos trabalhos, amparando-nos ( na dobra de seu manto, sob sua maternal proteção”. E os bispos suplicam a Maria que “como mãe, perfeita discípula e pedagoga da evangelização, Ela nos ensine a ser filhos em seu Filho e a fazer o que Ele nos disser”.

Conforme do documento de Aparecida, a devoção a Maria tem muitas características positivas: “Em nossa cultura latino-americana e caribenha conhecemos o papel que a religiosidade popular desempenha, especialmente a devoção mariana, contribuindo para nos tornar mais conscientes de nossa comum condição de filhos de Deus e dignidade perante seus olhos” (DAp 18). A piedade popular, fortemente mariana, deve ser assumida na evangelização, pois ela “penetra a existência pessoal de cada fiel. Nos diferentes momentos da luta cotidiana, muitos recorrem a algum pequeno sinal do amor de Deus”, como o rosário ou uma imagem de Maria. Neste sentido, “a fé encarnada na cultura pode penetrar cada vez mais nos nossos povos, se valorizarmos positivamente o que o Espírito Santo já semeou ali” (DAp 262).

No entanto, a piedade mariana não é um ponto final. E sim um ponto de partida, para que a fé amadureça e se faça mais fecunda.  Dizem os bispos: “é preciso ser sensível à devoção popular, perceber suas dimensões interiores e seus valores inegáveis” e assumir sua riqueza evangélica. Mas devemos também corrigir os desvios e exageros da devoção. “É necessário evangelizá-la ou purificá-la (DAp 262). Mais ainda. Não basta continuar repetindo aquilo que a comunidade recebeu no passado. É preciso dar novos passos. Entre outras coisas, o documento de Aparecida sugere: conhecer a vida de Maria e dos santos, para se inspirar no seu jeito de ser e agir. Além disso, intensificar o contato com a Bíblia, a participação na comunidade e o serviço do amor solidário (cf. DAp 262).


Com é a intensidade de sua devoção a Maria? Se você descuidou de cultivar o amor à Mãe de Jesus, retome-a. E, se por acaso você exagerou, lembre-se que Jesus é o centro de nossa fé. A ele seguimos, com ele caminhamos, no Espírito Santo, neste mundo. A vida não é somente devoção, mas também trabalhar, divertir, construir relações, exercitar a cidadania, cuidar do planeta. E no campo religioso, como relembram nossos bispos, a devoção deve ser completada com a leitura da bíblia, a participação na comunidade e a prática da caridade e a luta por um mundo melhor. A devoção a Maria, na medida certa, nos ajuda a amar e seguir a Jesus, com intensidade e alegria.
(Ir. Afonso Murad - Publicado na Revista de Aparecida)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Dizer "SIM" de forma consciente


Você já deve ter lido e ouvido muitas vezes a narração da Anunciação do anjo Gabriel à Maria, que está em Lucas 1,26-38. As catequistas e outros evangelizadores comentam sobre o “sim” de Maria, e falam que ela respondeu prontamente ao apelo de Deus. Isso é verdade. Mas a jovem de Nazaré não deu seu consentimento a Deus de qualquer jeito, sem pensar. O evangelista, servindo-se do gênero literário de vocação e de missão na bíblia, mostra que houve um diálogo demorado. Quanto tempo durou, e como se deu em detalhes, não se sabe. Deus tomou a iniciativa, veio ao encontro de Maria. Fez uma pro-posta para ela. E Maria, refletiu, questionou e por fim, deu uma res-posta. Acontece também assim quando duas pessoas se enamoram. Começa com o encantamento. Depois, os olhos os olhos, a aproximação, até que um toma a iniciativa de propor o relacionamento amoroso. Na fé, é Deus que sempre toma a iniciativa, nos seduz e nos convida.

Coloque-se no lugar de Maria. Quando menos espera, você recebe uma comunicação, uma proposta de Deus, que não imaginava antes. Qual seria sua primeira reação? Uma pessoa normal sentiria um choque, uma sensação de estremecimento e insegurança, como se de repente o chão tremesse. “Será verdade, ou estou imaginando coisas?” Assim também se passou com Maria. Ela “perturbou-se” ao ouvir a saudação de Gabriel (Lc 1,29). Mas não ficou imobilizada. Logo começou a pensar o significado da saudação: “alegre-se, agraciada, o Senhor está com você!” (Lc 1,28).
Então Deus, através de seu enviado, lhe diz para não ter medo, pois ela encontrou graça diante do Senhor, e será a mãe do messias. Como aconteceu com Maria, algo parecido se passa com cada cristão. Ao mesmo tempo em que ele se assusta diante das exigências da missão confiada, tem uma certeza de que é agraciado, de que Deus ao seu lado, e então não precisa ter medo.

Embora seja uma mulher muito jovem, Maria sabe como acontecem as realidades humanas. Não é boba, nem ingênua. Pureza não quer dizer “ignorância”. Para ter um filho, seria necessário estar engajada num relacionamento conjugal. E ela ainda era noiva de José. Então pergunta: “Como se fará isso, se eu não tenho relações sexuais com ninguém?” (Lc 1,34). Mais do que simples pergunta, revela-se aqui um traço da personalidade de Maria: ser uma pessoa questionadora. Ela não aceita sem pensar. Quer saber em que chão vai pisar, para assumir seu compromisso de forma livre e consciente. Então, Gabriel lhe explicar sobre a concepção virginal, sob ação do Espírito Santo.

Por fim, Maria responde com firmeza: “Eis aqui a servidora do Senhor”. Quando adulto, Jesus se apresentará “como aquele que serve”. Sua mãe já vive esta atitude do mestre. Ela não quer ser rainha, nem se deixa levar pelo orgulho e pela vaidade. Simplesmente, quer servir a Deus. Por isso, completa a sua resposta, dizendo: “Eu quero que se faça em mim segundo a sua vontade” (Lc 1,38). Aqui, novamente, o evangelista Lucas vê no gesto de Maria aquilo que vai orientar toda a vida de Jesus: buscar fazer a vontade do Pai, que algumas vezes não era tão clara, nem fácil. Exigia discernimento, com tempo de silêncio e oração. Especialmente, antes de tomar grandes decisões. Assim, o autor da Carta aos Hebreus relembra que Jesus realizou o que o Salmo 40 prenunciava: “O Senhor não quis sacrifícios de sangue. Ele me abriu os ouvidos e eu disse: Eis que venho para fazer sua vontade” (Heb 10,7).

Quando você ler novamente o texto da Anunciação, lembre-se que o “sim” de Maria não foi automático, feito de qualquer jeito e sem pensar. Ao contrário. Aconteceu em um diálogo com Deus. Maria escuta seu chamado, deixa-se surpreender pelo Senhor, se perturba, vence o medo, questiona e então responde com inteireza. Que Maria, a jovem de Nazaré, nos ensine a dar um sim consciente a Deus. Amém!

(Publicado na Revista de Aparecida)