Você já deve ter lido e ouvido
muitas vezes a narração da Anunciação
do anjo Gabriel à Maria, que está em Lucas 1,26-38. As catequistas e outros
evangelizadores comentam sobre o “sim” de Maria, e falam que ela respondeu
prontamente ao apelo de Deus. Isso é verdade. Mas a jovem de Nazaré não deu seu
consentimento a Deus de qualquer jeito, sem pensar. O evangelista, servindo-se
do gênero literário de vocação e de missão na bíblia, mostra que houve um diálogo
demorado. Quanto tempo durou, e como se deu em detalhes, não se sabe. Deus
tomou a iniciativa, veio ao encontro de Maria. Fez uma pro-posta para ela. E
Maria, refletiu, questionou e por fim, deu uma res-posta. Acontece também assim
quando duas pessoas se enamoram. Começa com o encantamento. Depois, os olhos os
olhos, a aproximação, até que um toma a iniciativa de propor o relacionamento
amoroso. Na fé, é Deus que sempre toma a iniciativa, nos seduz e nos convida.
Coloque-se no lugar de Maria. Quando
menos espera, você recebe uma comunicação, uma proposta de Deus, que não
imaginava antes. Qual seria sua primeira reação? Uma pessoa normal sentiria um
choque, uma sensação de estremecimento e insegurança, como se de repente o chão
tremesse. “Será verdade, ou estou imaginando coisas?” Assim também se passou
com Maria. Ela “perturbou-se” ao ouvir a saudação de Gabriel (Lc 1,29). Mas não
ficou imobilizada. Logo começou a pensar o significado da saudação: “alegre-se,
agraciada, o Senhor está com você!” (Lc 1,28).
Então Deus, através de seu enviado,
lhe diz para não ter medo, pois ela encontrou graça diante do Senhor, e será a
mãe do messias. Como aconteceu com Maria, algo parecido se passa com cada
cristão. Ao mesmo tempo em que ele se assusta diante das exigências da missão
confiada, tem uma certeza de que é agraciado, de que Deus ao seu lado, e então
não precisa ter medo.
Embora seja uma mulher muito jovem,
Maria sabe como acontecem as realidades humanas. Não é boba, nem ingênua.
Pureza não quer dizer “ignorância”. Para ter um filho, seria necessário estar
engajada num relacionamento conjugal. E ela ainda era noiva de José. Então pergunta:
“Como se fará isso, se eu não tenho relações sexuais com ninguém?” (Lc 1,34).
Mais do que simples pergunta, revela-se aqui um traço da personalidade de
Maria: ser uma pessoa questionadora. Ela não aceita sem pensar. Quer saber em
que chão vai pisar, para assumir seu compromisso de forma livre e consciente.
Então, Gabriel lhe explicar sobre a concepção virginal, sob ação do Espírito
Santo.
Por fim, Maria responde com firmeza:
“Eis aqui a servidora do Senhor”. Quando adulto, Jesus se apresentará “como
aquele que serve”. Sua mãe já vive esta atitude do mestre. Ela não quer ser
rainha, nem se deixa levar pelo orgulho e pela vaidade. Simplesmente, quer
servir a Deus. Por isso, completa a sua resposta, dizendo: “Eu quero que se
faça em mim segundo a sua vontade” (Lc 1,38). Aqui, novamente, o evangelista
Lucas vê no gesto de Maria aquilo que vai orientar toda a vida de Jesus: buscar
fazer a vontade do Pai, que algumas vezes não era tão clara, nem fácil. Exigia
discernimento, com tempo de silêncio e oração. Especialmente, antes de tomar
grandes decisões. Assim, o autor da Carta aos Hebreus relembra que Jesus
realizou o que o Salmo 40 prenunciava: “O Senhor não quis sacrifícios de
sangue. Ele me abriu os ouvidos e eu disse: Eis que venho para fazer sua
vontade” (Heb 10,7).
Quando você ler novamente o texto da Anunciação, lembre-se que o “sim” de Maria não foi automático, feito de qualquer jeito e sem pensar. Ao contrário. Aconteceu em um diálogo com Deus. Maria escuta seu chamado, deixa-se surpreender pelo Senhor, se perturba, vence o medo, questiona e então responde com inteireza. Que Maria, a jovem de Nazaré, nos ensine a dar um sim consciente a Deus. Amém!
(Publicado na Revista de Aparecida)
2 comentários:
A saudação do anjo a Maria contém duas frases que revelam alguns aspectos da nossa relação com Deus:
- “Alegra-te”: o convite do anjo à alegria de Maria é também um convite para todos nós. A alegria é sinal do tempo da salvação, do tempo do Messias. Sua chegada é motivo de alegria, porque ele é o Emanuel, “Deus conosco” (Mt 1,23). A alegria é um dom de Deus e deveria ser característica de todos os cristãos. Como lembra o Papa Francisco: “Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria” (Evangelii Gaudium 1). O “alegra-te” do anjo repete-se na alegria de João Batista no ventre de sua mãe (Lc 4,41) e no cântico de Maria (Lc 1,47).
- “Não temas”: o segundo convite do anjo é para não ter medo porque Deus está conosco. É Deus quem envia, mas não envia para realizar a missão em solidão, ele mesmo é a nossa companhia. Já nos primeiros chamados do AT ele assegura sua presença: “Não temas, pois estou contigo” falou a Isaac (Gn 26,24); “eu estou contigo” são as palavras dirigidas a Jacó (Gn 28,15) e a Moisés (Ex 3,11). Sua presença nos dá confiança para não nos desanimar, para nos comprometer, para realizar a missão encomendada: “Ide, pois; de todas as nações fazei discípulos, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a guardar tudo o que vos ordenei. Quanto a mim, eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos tempos” (Mt 28,19-20).
O texto apresentado nos faz tomar mais ainda consciência da humanidade de Maria e reconhecer que o seu ‘Sim’ foi um processo de discernimento. Ela não diz “Sim” automaticamente, mas procura saber em detalhes qual é o projeto de Deus para a sua vida. Somente a partir do momento que ela percebe com clareza e se sentindo em paz, ela diz o seu ‘Sim’ a Deus. Este “Sim” vai se confirmando na sua própria vida, pois ao longo da vida ela vai percebendo os sinais de Deus confirmando a sua escolha.
Neste relato percebemos o encontro de duas liberdades. A iniciativa de Deus não está condicionada à nossa humanidade, mas Deus respeita a nossa liberdade. Maria ‘ficou muito perturbada com as palavras do Anjo e se perguntava o que poderia significar esta saudação’. Para poder discernir, Maria procura descobrir o sentido profundo desta revelação inesperada. De Deus Maria recebe uma benção única, sendo agraciada, para gerar e educar o seu Filho. Ela é escolhida entre todas as mulheres para que se abram novos tempos. Reconhecer a nossa vocação é deixar Deus nos revelar que nós temos valor aos seus olhos. Quando Ele nos chama, nos faz plenamente aquilo que nós somos. Esta passagem nos lembra que no cristianismo o ponto de partida é a encanação do Verbo. Aqui não é apenas o homem que busca a Deus, mas é Deus que vem em pessoa falar dele mesmo ao homem. Assim, podemos afirmar que é uma epifania da Glória de Deus, que o homem é chamado à viver a plenitude da vida em Deus.
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