terça-feira, 19 de maio de 2015

Coroação de Maria (3)

Eu moro em Minas Gerais. Aqui, durante todos os fins de semana do mês de maio, acontecem as “Coroações de Nossa Senhora”. Já vi muitas delas. Algumas, com cantos maravilhosos, instrumentos musicais, roupas lindas, anjinhos, flores, altar especial e luzes coloridas. Mas guardei na lembrança uma, em especial. Anos atrás, eu participava de uma comunidade muito pobre na periferia de Belo Horizonte. No começo, não tínhamos nem salão comunitário, nem igreja construída. O culto e a missa aconteciam na maior sala da escola pública do bairro. No mês de maio, na primeira noite da coroação, tive uma surpresa.

Depois da missa, todos nos sentamos, esperando... Um grupo de umas 50 meninas entrou cantando, com a catequista e o violeiro da comunidade: “Maria de Nazaré, Maria me cativou. Fez mais forte a minha fé, e por filha me adotou”. O canto tomou conta da Assembleia, e entoamos juntos a mesma música. Não era um espetáculo para ver, e sim uma celebração para participar. As crianças pequeninas entraram em fila até a frente, onde havia uma imagem de Nossa Senhora Aparecida sobre um pedestal. Nenhuma delas vestia roupa branca, sem levava nas costas as asas de anjos. Estavam todas com o uniforme da escola. Estranhei aquilo. Não estava acostumado. Então, uma delas trouxe uma coroa feita de flores e colocou sobre a cabeça da imagem, subindo pela escadinha. Salva de palmas!!! E rezamos então várias Ave-Marias. E as meninas se retiraram, alegres, cantando novamente. E algumas delas lançavam pétalas de flores (rosas, margaridas, beijos), que haviam colhido nas casas e nos quintais do próprio bairro.
Então, perguntei curioso à catequista: “Por que as crianças não estavam vestidas de anjos?” Ela me disse: “A comunidade aqui é muito pobre. Várias meninas moram na favela e não tem condição de comprar a roupa e os enfeites. Por isso, escolhemos o uniforme da escola. Assim, todas aquelas quiseram, participaram. E procuramos valorizar ao máximo as coisas da comunidade”. Vamos comprar as roupas de festa e as asas, quando tivermos dinheiro. Vai ser de uso coletivo!

Voltei para casa contente e pensativo. Penso que Maria, lá no céu, deve ter ficado muito feliz com esta homenagem que veio das pequeninas. Teria um jeito melhor de louvar a Deus pelas maravilhas Ele que fez em Maria? A coroa de Maria não é aquela do luxo, da ostentação, da vaidade, nem dos privilégios. No livro do Apocalipse se diz que Jesus glorificado dará a coroa da Vida aos que perseverarem na fé. Maria não recebeu uma coroa de ouro, e sim a coroa da Vida. Ela já participa da glória de Deus, junto com seu filho Jesus e outros santos, que trilharam o caminho da fé, da esperança e do amor neste mundo.
Aquela comunidade, com a beleza do canto, a simplicidade das vestes, o jeito comunitário de celebrar, a acolhida aos mais pobres, prestou uma justa homenagem à Mãe de Jesus. Ela mesmo, a Maria de Nazaré, no canto que entoou na casa de Isabel, dizia: “Deus olhou para a humildade de sua servidora. De agora em diante, todas as gerações me chamarão de Bem-aventurada (feliz)”. Maria é uma rainha diferente. Seu trono não tem um lugar fixo nem forma definida. Pode ser um banquinho da cozinha. Ou as pedras de um recanto, que servem para descanso e acolhida. Importa reconhecer que ela participa do Reinado de Cristo.

O reinado de Maria é o reinado de Jesus, nosso mestre e Senhor. Ela, nossa companheira de caminho, faz mais forte a nossa fé e nos adota como filhos e filhas, como bem disse o Padre Zezinho. Um reinado de serviço, de doação, de bondade, de promoção das pessoas e da sociedade, como refletimos na Campanha da Fraternidade deste ano.  Por isso, na tradicional oração mariana se diz: “Salve, Rainha, mãe de misericórdia. Vida, doçura e esperança...”
(Publicado na Revista de Aparecida)

3 comentários:

David Soto disse...

Fiquei pensando numa frase deste artigo que expressa muito bem o modo no qual Maria nos ensina sobre a fé de Jesus. Em referência à atividade realizada pelas crianças, você disse: “Não era um espetáculo para ver, e sim uma celebração para participar”. O espetáculo não era para ver, quer disser que não contava com todo o necessário para ser uma peça acabada, completa, diante da qual deleitar-se artisticamente. Deste modo, quem se colocara como espectador dificilmente conseguiria celebrar na fé a ação de Deus no meio de sua comunidade. Para poder celebrar era necessário participar. Isto não significa fazer abstração da situação de carência de tudo para realizar uma celebração adequada, senão que assumindo dita situação de carência reconhecer que a força, sentido e fundamento da celebração está na iniciativa e ação de Deus, que age onde encontra corações dispostos a acolher sua graça mediante sua participação.

Isto é justamente o que Maria representa para todos os cristãos. Ela, uma menina que tampouco contava com tudo o necessário para considerar-se protagonista da historia salvífica, conseguiu celebrar sua fé. Não se conformou como ser espectadora, esperando um momento em que tudo estivesse pronto segundo seus planos. Ela assumiu sua situação de incerteza, seu contexto e arriscou-se, confiando em sua fé na promessa. Sua vida é celebração da fé porque assumindo sua situação histórica – ficar grávida e ter que explicar tal acontecimento, inseguridade do que iria acontecer e de como criar a esse filho, etc. – decidiu participar da historia do plano de Deus, ou seja, celebrar sua fé, confiando-se mais na ação de Deus que nos planos ideais do ser humano. A fé de Maria é compreensível como participação numa história em construção, e por isso incerta, mas desde a esperança no Deus que já esta agindo, como Jesus anunciará em Mc 1, 15.

Assim, Maria se nos apresenta como uma mulher de profunda fé, a qual implica uma grande valentia, pois participar da história da salvação é participar em nossa historia de construção de um mundo mais humano. Esta participação na história, na construção de nossas comunidades, de nossas sociedades, na medida em que esta aberta ao apelo divino, é também celebração da fé, história de salvação. Jesus foi quem nos manifestou isto em plenitude, pois sua vida é uma celebração da fé em Deus, ou seja, ação salvífica de Deus em nossa historia. Sem dúvidas, Maria nos ensina viver essa fé que se compromete com um mundo mais humano e justo, como seu filho nos manifestou em plenitude.

Unknown disse...

O mês de maio tem esse ar mariano, sobretudo nas cidades do interior cuja devoção a Nossa Senhora é muito forte. Na comunidade dos meus avós, lá no vale do Jequitinhonha é um mês de muita participação nas celebrações e quando criança eu via a empolgação das meninas para coroarem a imagem de Maria. Nessa bela manifestação de fé das pessoas há um processo de identificação, de carinho para com a Mãe de Jesus.
Os gestos revelam a importância que teve Maria na caminhada de amadurecimento na fé dos Cristãos. Esses gestos devem refletir a realidade da comunidade e a dinâmica na qual elas estão inseridas. Como o texto diz, a coroa na qual Maria foi revestida é a dá vida eterna ao lado do seu filho, e do seu criador. A coroa trazida pelas crianças, na simplicidade como elas puderam participar representa esse ação celebrativa. É o singelo sim que Maria deu ante ao chamado de colaborar na ação redentora de Jesus na humanidade.
Creio que é necessária uma catequese com as crianças nesses momentos tão tradicionais na nossa Igreja, para mostrar que coroar Nossa Senhora tem esse sentido de agradecê-la pelo sua generosidade, e como filhos dela que somos aprendermos a ser obedientes a vontade de Deus, sobretudo no acolhimento dos pequenos. Assim participamos com alegria do “sim” de Maria, na nossa vida e na vida de nossos irmãos.
Heliomarcos Costa Ferraz - 3º ano Teologia FAJE

Jonas Pacheco disse...

Esse texto faz uma referência muito forte as nossas primeiras experiências marianas. Lembro-me bem das coroações realizadas pelas meninas no mês de maio. Muito se fala das devoções hoje. Precisamos de critérios para que não sejam exageradas e coloquem Maria acima de seu filho, e consequentemente de Deus. Mas, se procurarmos uma devoção mais simples e bonita que essa que ainda resiste em alguns teremos certa dificuldade para encontrar algo mais puro. Claro que os exageros com roupas e ornamentos existem, mas avalio a simples atitude de uma criança ao praticar tal gesto. Como muitos costumes vão se perdendo, este é um que também se esvai. Mas gostaria refletir um pouco além desse aspecto simplesmente devocional. Como se constitui a devoção dessas meninas que praticavam esse devocionismo? Como estão essas meninas, que hoje já são mais e que encontraram em Maria o modelo de maternidade? Sem dúvida, e com pequena margem de erro, podemos afirmar que são mães com uma visão mariana diferente das que na sua infância não fizeram tal ato. No simples canto a mãezinha querida há a possibilidade de nascer uma autêntica experiência de materna de Maria. Maternidade, essa que nos conduz ao Cristo. Tendo Maria por “mãezinha do céu, temos também o “papai do céu”. Uma linguagem bem própria das crianças que nos ajuda compreender que a maternidade de Maria não é algo estático, mas que nos aponta o Cristo, nos aponta Deus. Assim como nossas mães nos apontam caminhos, nos aconselham e em muitos casos as mães que intercedem pelos filhos aos Pais. Mães que facilitam a relação entre pais e filhos. Maria é essa figura que nos conduz a Deus, mostrando o caminho, seu filho Jesus, e intercedendo por nós nas idas e vindas da vida. Para terminar lembro uma frase conhecida de um santo: “Um verdadeiro devoto de Maria nunca se perde”. Devoto aqui no sentido daquele que faz a experiência materna de Maria.
Jonas Pacheco