terça-feira, 6 de julho de 2010

Aparições: um alerta!

Faz alguns anos, escrevi um livro intitulado “Visões e Aparições. Deus continua falando?”, publicado pela Editora Vozes. Nesta obra, apresento o fenômeno sob vários ângulos: psicológico (e parapsicológico), sócio-cultural, teológico e pastoral. Para escrever o livro, empreendi um longo e penoso trabalho de escuta atenta e humilde. Li o que encontrei sobre a análise teológica do evento e os critérios eclesiais de discernimento. Tive acesso a livros e manuscritos com mensagens de videntes do Brasil e do exterior. Mediante pedidos, vi filmagens de várias pretensas aparições. Visitei alguns videntes e conversei com pessoas que eram defensores incondicionais do fenômeno. Conversei com teólogos e místicos.
A conclusão a que cheguei é que as chamadas “Aparições” movem-se no campo da atualização da revelação e das múltiplas formas de expressão da experiência mística. Por isso mesmo, são denominadas na teologia clássica católica como “revelações privadas”, mesmo que aconteçam para uma multidão de milhares de pessoas. E como tal, merecem respeito e consideração.
A vidência, como outros fenômenos místicos paranormais, pode ser um serviço à comunidade eclesial e ao mundo, enquanto interpretação e atualização da mensagem de Jesus, a revelação plena do Pai para os cristãos. Mas não tem força de obrigação para ninguém. Por isso, nenhum cristão católico é obrigado a crer em aparições, mesmo aquelas reconhecidas pela Igreja, como Guadalupe, Fátima e Lurdes. O parecer oficial da autoridade eclesial é claro: o fenômeno e sua mensagem é “digno de fé humana”, ou seja: não se trata de uma verdade que obrigue os fiéis. Mas, se alguém quer acolher a mensagem dos videntes e reverenciar Maria com o nome que eles lhe deram, pode fazê-lo com serenidade.

Fazia tempo que não me dedicava mais a pesquisar sobre o assunto. No ano passado, fui procurado por uma repórter do revista VEJA, que fazia uma cobertura sobre o assunto. Neste ano, foi a vez da ISTO É. Então, voltei a ler sobre o tema, com um pouco mais de distanciamento. Comecei também a pesquisar na Internet, pois muitos videntes divulgam as mensagens na WEB. E trabalhei com meus alunos sobre isso na aula de mariologia.
Um dos problemas mais complicados para o discernimento atual sobre as aparições diz respeito à sua continuidade no tempo. Até o fenômeno de Fátima, os videntes tinham uma experiência sensível, traduzida em mensagens, que se encerrava após um curto período. No caso dos videntes portugueses, as “revelações” aconteceram de maio a outubro do mesmo ano e depois acabaram. Assim, foi possível analisar a mensagem e dar um parecer oficial. Ora, nos casos atuais, as pretensas aparições não terminam. Maria “fala” a cada semana, com hora marcada, para videntes de várias partes do mundo. Ora, isso levanta algumas perguntas sérias: não seria uma banalização do sagrado? Como emitir um parecer eclesial sobre um fenômeno que ainda está acontecendo? Que qualidade espiritual tem um conjunto de visões e mensagens, que ano após ano, repete sempre a mesma cantilena: “rezem o terço, participem dos sacramentos, façam penitência...”? A história recente da humanidade traz novas questões: ecologia, diálogo ou intolerância religiosa, cultura da imagem, crise econômica em algumas partes do mundo, acentos na experiência religiosa, questões de gênero, mas as mensagens mudam muito pouco. Será que Maria não tem nada a dizer sobre isso? As mensagens dos videntes atuais são mais fracas naquilo que deveria ser seu diferencial qualitativo: uma atualização significativa da revelação de Deus, em Cristo, para os dias de hoje.

O que é mais grave é que alguns movimentos aparicionistas vendem a ilusão de que suas mensagens são as únicas corretas e perfeitas, pois são comunicação direta do céu, sem se contaminar com as ideologias humanas. Eu mostrei no livro, com várias evidências, como as mensagens dos videntes sofrem uma série de influências e estão submetidas a vários condicionamentos. Não levar isso em conta é correr o sério risco de divinizar manifestações humanas de pouca consistência espiritual.
Se a Bíblia, Palavra de Deus em linguagem humana, não pode ser lida de forma literal, mas necessita de uma interpretação, com muito mais razão se exige isso das mensagens de videntes.

No mês de junho acessei várias páginas da internet de movimentos aparicionistas. A impressão que tive é que há uma degeneração espiritual em muitos deles. Ou seja, perde-se o núcleo da experiência religiosa cristã, que é o seguimento de Jesus, e acontece um acento unilateral em práticas devocionais, mescladas com uma mentalidade apocalíptica baseada no medo. Num dos sites que visitei, havia uma recomendação do vidente (que ele atribui a Maria) para confeccionar um “lencinho de Nossa Senhora”, que seria a arma mais poderosa para preparar os católicos diante da eminência do fim do mundo. Em outro site, encontrei um título animador: “como rezar”. Respirei aliviado. Imaginei que seriam algumas dicas sobre a leitura com a bíblia, sobre a revisão de vida, ou alguma orientação concreta para orar no cotidiano, com suas alegrias e tristezas, decepções e conquistas. Ao abrir o tema, outra decepção: era simplesmente uma colagem com as orações tradicionais católicas (Pai Nosso, Ave Maria, Credo), seguidas de outras orações vocais de conteúdo duvidoso. E tudo atribuído a Maria. Que estranho: Maria ensinaria somente a rezar com fórmulas? Todo o movimento de rezar com o coração, de maneira espontânea, não tem valor? E a oração com a bíblia seria desconhecida por ela?

Registro aqui este alerta, eivado de perplexidade e indignação. Nem tudo o que acontece no âmbito do extraordinário é o melhor caminho para viver o Evangelho de Jesus. Espero que os movimentos aparicionistas cresçam em lucidez. Não basta uma religiosidade intensa. Ela necessita equilíbrio, diálogo e centramento em Jesus e o seu Reino, com suas mediações históricas limitadas e imperfeitas. Ignorar isso é não levar em conta o mistério da encarnação, questão central para a fé cristã.

4 comentários:

Paulo cesar disse...

vou fazer um comentário em breve

Nascimento disse...

Por uma maturidade na fé comungo de suas ideias Murad. A proposta cristã, para a qual Maria se apresenta como a primeira discípula é fruto de uma ação Divina em vista da efetivação do Reino junto a humanidade; parte de uma revelações privadas que a sagrada escritura apresenta anunciada por Gabriel (Lc1,26-28); um anúncio perturbador mas permeado de esperança tanto para Maria quanto para todo o seu povo. Bem-aventurada porque creste (Lc1,45) não amaldiçoa os que não creram, mas provoca com a todos que com a vida testemunhem as maravilhas operadas por Deus a partir dessa revelação.
Contra a banalização do sagrado, me coloco no grupo dos que lutam contra o excesso de aparições que disseminam o medo e um devocionismo estéril; a aparição de Gabriel no evangelho de Lucas é simbólica na medida em que já no início combate toda aparente esterilidade, promovendo uma vida profética como a de João Batista. Atualizações significativas da palavra de Deus urgem em nossa sociedade; Deus contradiz a lógica, mas não aprisiona o ser humano; ao contrario o quer livre consciente e aberto a proposta do Reino.

Att,

Anselmo Nascimento, Sdb

Hélio Correia Maia disse...

Creio eu que muitos se perguntam se realmente as aparições existem, ou são projeções? Há ocasiões em que existem muitos indícios de uma forte presença de Deus, fazendo-nos acreditar que há experiência religiosa autêntica, como em Guardalupe, Lurdes e Fátima. Em outras, o bom senso leva a crer que há algo errado, mesmo que apareçam sinais cósmicos e aconteçam milagres.
O fato de haver curas, conversões ou mesmo mudanças na natureza não prova que uma aparição seja legítima, pois muitas vezes esses fenômenos têm sua origem na fé e na força da multidão reunida, e não na presença de Maria e no testemunho espiritual do vidente. Quando aparecem videntes fanáticos, com mensagens apocalípticas e moralistas, que não estão em sintonia com o Evangelho nem com a caminhada da Igreja, não devem ser aceitos como legítimos.

Reginaldo Marinho disse...

Aqui não me delongarei no assunto. Mas não posso deixar de expressar minha opinião. Em primeiro lugar vale destacar que sou cristão católico convicto de minha fé. Amo profundamente a Nossa Senhora. Entretanto, creio que ficar atrás de aparições não dá para ser possível, uma vez que a revelação de Deus se deu completamente na pessoa de Jesus Cristo. E, tal revelação se dá constantemente em nosso cotidiano, sobretudo, nas pessoas que nos circundam.
Em minha infância fui educado a respeitar e venerar a mãe de Deus em vários títulos: Fátima, Aparecida, Conceição, Graças, Desterro... No entanto, minha educação à fé cristã salvaguardou a centralidade na pessoa de Cristo. Sem dúvida, algumas mensagens de alguns videntes são pertinentes e encantadoras, seja por seu conteúdo ou pela forma. Até hoje vemos a referência que foi Santa Catarina de Labouré, os três pastorinhos etc.
Penso que se a devoção em alguma aparição produza fruto que nos leve ao Pai, por Jesus, no Espírito Santo, ela é válida e cumpre seu papel fundamental, que é a verdadeira adoração a Trindade Santa. Pois, um risco que corremos é lançar cada vez mais incenso e adornos a Maria do que para quem ela aponta e é seguidora.