domingo, 8 de fevereiro de 2009

Bodas de Caná e Maria: os símbolos

A cena do Sinal de Caná está recheada de imagens, analogias e símbolos. Vamos desvendar alguns deles, para compreender melhor o sentido do gesto de Jesus e da atuação de Maria. Leia Jo 2,1-4 e acompanhe.
No terceiro dia (v.1) ou “três dias depois”: A cena de Caná está “costurada” pelo evangelista João no início da missão de Jesus. Conclui a sua semana inaugural, que começa quando João Batista aponta Jesus aos seus discípulos (Jo 1,19.29.35.43). A festa aconteceria dois dias depois do encontro de Jesus com Filipe e Natanael. Neste encontro, Jesus relembra a imagem do sonho de Jacó, da escada que liga o céu e a terra (Ver Jo 1,49-51). O céu aberto, com os anjos subindo e descendo, significa que Deus irá se comunicar conosco e nos dará sua graça. O primeiro sinal mostra que, com Jesus, começa este tempo novo de presença de Deus junto de seu povo.
A festa de casamento (v. 1-2): No tempo de Jesus, a festa de núpcias era muito importante. As famílias se uniam em torno do casamento dos filhos. Renovava-se a confiança na vida e se esperava a vinda de filhos, primeira garantia da continuidade do povo de Deus. Além disso, evocava um sentido simbólico. Os profetas usaram a imagem da união amorosa do homem e da mulher, que se celebra no casamento, para falar da Aliança, do amor de Deus e de sua intimidade com o povo eleito (Is 62,4b-5; Os 2,18-22).
Era comum oferecer um banquete na festa de casamento (Gn 29,22; Jz 14,10). Nas vilas e cidadezinhas do interior, como Caná, a festa durava normalmente sete dias (Gn 29,27; Jz 14,12; Tb 11,20). O vinho era a bebida básica, espalhada por toda a parte, pois as famílias produziam e consumiam vinho caseiro. Numa festa, especialmente a de casamento, não podia faltar vinho. A festa acabaria tristemente.
A falta do vinho e o pedido de Maria (v. 3): Maria está na festa. Jesus e seus discípulos também. Mas parece que chegaram separadamente. Então, o vinho está terminando e Maria se dirige a Jesus. Ela está dizendo: “Tenha pena deles, senão a festa vai acabar”. Há um pedido claro, não somente uma constatação. No evangelho de João, quando alguém precisa de algo, basta apresentar a Jesus sua necessidade, que ele entende. Por exemplo, o paralítico em Jo 5,7; as irmãs de Lázaro em Jo 11,3. Mas ao contrário destas pessoas, Maria não pede para si, e sim para os outros.
A resposta de Jesus (v. 4) parece indelicada e até desrespeitosa: “O que nós temos a ver com isso? Algumas bíblias traduzem com expressões ainda mais duras essa frase de Jesus: “Que queres de mim”, ou “que há entre mim e ti”. Esta frase, de difícil tradução, expressa que Jesus não deseja se envolver com o problema, e que há um distanciamento, uma diferença de percepção entre ele e Maria.
“Mulher” (v.4): Muita gente estranha porque Jesus chama sua mãe de “mulher”. Mas João está nos dizendo algo mais profundo: para Jesus, Maria é mais do que sua mãe, é mulher. O evangelista é muito sensível à participação das mulheres na missão de Jesus e na comunidade dos seus amigos. Jesus não as trata pelo nome, mas com o título de “mulher”. Maria, sua mãe, presente no início e no final de sua missão, é chamada em Caná e na cruz de “mulher” (Jo 2,4 e 19,26). Jesus denomina também “mulher” à samaritana (Jo 4,21), primeira anunciadora do messias para os não-judeus (Jo 4,28.41s). Por fim, trata da mesma forma a Madalena (Jo 20,15), a primeira testemunha da ressurreição (Jo 20,17s). Ora, os profetas usavam a imagem da mulher para representar o povo de Deus em relação ao Senhor da Aliança (Os 1,2; Is 26,17; Jr 31,4). Portanto, quando Jesus chama sua mãe de “mulher” não a ofende. Ao contrário, mostra o valor dela, como mulher e figura efetiva e simbólica da comunidade cristã.
“Minha hora ainda não chegou” (v.4): Um homem ocidental moderno imaginaria a cena de uma maneira banal. Jesus olharia para o relógio e diria que não estava no momento ainda. Mas não se trata disso. A “hora”, no evangelho de João, tem um sentido simbólico. Quer dizer o momento em que Jesus vai manifestar quem ele é, sua identidade de Filho, e comunicar de forma ímpar o amor do Pai. Isso só vai se completar na morte e ressurreição (Jo 12,23.27; 13,1; 16,32; 17,1). Ali será “a hora h”, como a gente diz. Mas, enquanto isso, cada palavra ou sinal de Jesus é uma parte dessa hora e a prepara. “Minha hora ainda não chegou” significa que Jesus acha que não é ainda o momento oportuno de começar sua missão e se manifestar plenamente como Filho.
No próximo artigo, nesse blog, veremos ainda outros símbolos do relato de Caná e descobriremos o sentido da ação de Maria.
Texto: A. Murad, Maria Toda de Deus e tão humana, Paulinas.
Quadro de Fernando Gallego.

7 comentários:

Anônimo disse...

Quantos simbolos, meu Deus.
Este texto é demais.
Náo pensava que João era tão criativo (rs).
Telma.

MauricioVaz-Faculdade Dehoniana disse...

Realmente João foi muito criativo em simbologia, concordo com a Telma (rs)

Telles Ramon - ITESP disse...

Maria em João...
Muito interessante a perspectiva que João apresenta acerca de Maria no Evangelho. Maria presente no decorrer da vida de Jesus, especialmente marcada no início da vida pública (bodas de Caná) e no final (paixão e morte - pé da cruz)... a perseverança de Maria marca a perseverança que a comunidade cristã deve ter em não desanimar no seguimento de Jesus mesmo quando há o sofrimento e dor.
Assim aprendemos a ser "amigos" corajosos e perseverantes em acreditar na proposta e não ter medo de caminhar juntos. A pedagogia de Maria em apontar para a Meta... Jesus, é uma pedagogia que usa o testemunho como metodologia, ou seja, o exemplo de Maria na fidelidade e disicipulado em seguir Jesus é a lição para aqueles e aquelas que querem conhecer o Mestre mais de perto e mais profundamente.

macielpazevedo disse...

Em Caná, Maria é apresentada como figura especial na comunidade do discípulo amado, é caracterizada como a “discípula-mãe”, que leva os servidores a realizar o que Jesus lhes diz , abre-nos a revelação de Jesus como “vinho novo”, rompe a história trazendo esperança e alegria, suscita a fé dos discípulos, constitui a comunidade reunida em torno de Jesus e apresenta a atuação discreta e firme de Maria. Já na cena da cruz, aparentemente, não há uma atuação direta de Maria, porém sua presença com outras mulheres e o discípulo amado, sinaliza o amor que persevera, como também é apresentada por Jesus como mãe da comunidade ao discípulo amado, é um momento importante, pois é uma adoção recíproca, a mãe assume o filho que significa de fato assumir toda a humanidade, e o filho assume a mãe.

João Batista da Costa Coelho, Ista disse...

o Amor de Jesus e a fidelidade ao Pai é infinito por cada ser humano. Nas Bodas de Caná, Jesus quer mostrar toda realidade deste Amor: no compromisso desta aliança para com Deus e para com seu povo. A fato de Maria participar das Bobas de Caná o evangelista que mostrar toda a realidade da mãe de Jesus, não só como mãe, mas como verdadeira discípula da obra evangelizadora de seu Filho.

José Valdo dos Santos Filho - CM disse...

Comentário sobre a festa de caná

Essa festa nas bodas de caná nos diz muitas coisas, pelo fato que tem muito. É preciso estar atentos aos pequenos detalhes e saber seus significados, para depois não se perder diante daquilo que está se referindo.
Para comentarmos sobre a Sagrada Escritura, temos que conhecer bem o contexto e a época que aconteceram os fatos. Por exemplo, era típico dos judeus festejarem os momentos de celebração seja ela qual fosse, e se tratando da festa de núpcias, não era diferente. No tempo de Jesus o povo se unia para celebrar a festa de seus filhos. Tempo em que se renova a confiança na vida e a esperança na vinda de filhos, que por sinal era a garantia de continuidade do povo.
São interessantes os comentários feitos no blog, que falam dessa festa de caná, pois são reflexões, que nos apontam para vários tipos de interpretação. Uma delas faz a comparação do casamento com a aliança que Deus faz com o seu povo eleito (Is 62,4b-5; Os 2,18-22). Era costume do povo, oferecer esses banquetes para celebrar em ação de graças por tudo o que Deus lhes tinha concedido. E hoje, mais de que nunca, esquecemo-nos de celebrar, de agradecer os belos momentos que Deus nos concede de estarmos juntos, caminhando, seja em comunidade, seja em família e até mesmo nos casamentos atuais, ou recuperado-nos de uma enfermidade. Deveríamos celebrar em ação de graças por esses dons, mas não, parece que só lembramos de Deus nos momentos de desespero e depois esquecemos. Ao contrário dos primeiro cristãos, que tudo que conseguiam lembravam-se de dar graças ao Senhor.

Erconides disse...

O estudo da figura de Maria no Evangelho de João, tem varias descobertas o evangelista apresenta dois relatos, primeiro nas bodas de Caná, quando Jesus realiza o sinal da aguá transformada em vinho, aqui Maria é chamada de mulher, mas não se trata de um depreciativo, mas sim porque com essas palavras João quer dar espaço a mulher, ele não esta preocupado com a questão família, mas de fato qual é o papel de Maria. No contexto judaico chamar de mulher não era privilegio, mas para a comunidade de João, ele valoriza a mulher e lhe dá mérito ao seu papel.
Depois Maria aparece, junto a cruz de Jesus, aqui ela apresenta seu papel de mulher perseverante e forte, aquela que demonstrou persistência, constância e adesão.