quinta-feira, 2 de julho de 2009

A última noite de Maria

Um artigo de Frei Prudente Nery

No dia 1º de novembro de 1950, Papa Pio XII, após sondar a tradição da Igreja e ouvir todos os bispos católicos (1949), promulgou solenemente a “Assunção de Maria”. A Igreja verbalizava, assim, com clareza e em caráter definitivo, uma antiqüíssima convicção da fé cristã. Do Concílio de Calcedônia (451) ao Concílio Vaticano I (1869 - 1870), a crença de que Maria, por sua vida singular, estaria, já agora, na glória de Deus, foi professada por incontáveis cristãos.
Nós te louvamos, Senhor do universo. Pois, hoje, a Virgem Maria, Mãe de Deus, foi elevada à glória do céu. Ela é consolo e esperança para o teu povo ainda em caminho. Pois, nela, vemos o nosso futuro, canta o prefácio de sua festa. Pois esta é a nossa esperança: que, um dia, para além da morte e do mundo, seremos acolhidos por Deus, com tudo aquilo que compôs a nossa vida. Não apenas naquilo que fomos lá dentro de nós mesmos, em nossa interioridade (alma), mas também com tudo aquilo que, no âmbito de nossa vida, aprendemos a querer bem e que, por isso, passou a integrar a totalidade de nosso ser (corpo). Dentro e fora, o que fomos em nossos secretos sonhos (alma) e o que conseguimos ser em nossa realidade (corpo), o que construímos em nossa interioridade (alma) e o que partilhamos com os outros e recebemos do mundo (corpo).
Corpo, precisaríamos precisar melhor, é muito mais do que apenas este amontoado orgânico de células, a nossa carne. Ele é também o olhar, a destreza dos dedos, a generosidade das mãos, a palavra, o ouvir, o bailar, o drible, o saltar, o dobrar os joelhos, o suor, a lágrima, a luta, o afago que se dá e se recebe, o beijo, esta carícia dos corações.
Ainda que nos sintamos bem em nossa pele, nossa carne não é apenas o lugar do nosso ser, a visibilidade ou o sacramento de nosso mistério. Ela é também um limite e, em muitos casos, um terrível sofrimento. Nosso coração quer voar, mas a carne nos retém ali. A saudade nos convida para longe, mas, no cárcere de nossa carne, não podemos abraçar a pessoa amada. O espírito, lúcido ainda, quer realizar tantos sonhos, mas a força dos braços já não basta mais. E as dores inexprimíveis que, cravando-se na carne, roubam toda a alegria de viver.

Um dia, assim o cremos, no ocaso de nosso mundo e na manhã da eternidade, os limites cessarão e os sacramentos já não serão mais necessários, pois veremos a graça, face a face. De igual modo, também conosco. A casca rebentará e, de dentro do ovo, irromperá um pássaro de inimaginável beleza, a totalidade de nossa vida. Para trás ficarão alguns restos, já não mais necessários, pois foram apenas o lugar de maturação para o nosso último destino: a morada de Deus.
Em torno do ano 600, o Imperador Maurikios Flavios Tiberios determinou que fosse celebrada, em todo o território oriental do Império Romano, no dia 15 de agosto, a festa da Dormitio Mariae (O Sono de Maria), em recordação do dia em que a Mãe de Jesus Cristo teria deixado este mundo e ido para o céu. Pois contava-se, a essa época, que, certo dia, nossa mãe, Maria, recolheu-se em sua casa. Não se sabe bem se nas proximidades de Jerusalém, no Monte Sião, ou se em Panagia Kapulü, ao sul de Éfeso. E aí, no corpo, o cansaço dos muitos anos e, na alma, a saudade de seu filho, ela adormeceu. E naquela noite, enquanto ela dormia, vieram dos céus multidões de anjos e, tomando-a nos braços, carregaram-na para junto de seu filho.
Verdadeiramente: para aquele que crê, nunca a morte será um fim. Mas um sono, em que, desfeitos de nossos limites, finalmente voaremos ao encontro de Deus, nossa origem e nosso último destino.

(Frei Prudente Nery, grande teólogo brasileiro, faleceu em junho de 2009).

6 comentários:

Anônimo disse...

Uma justa homenagem a Frei Prudente! Obrigado.

MwanaaSuu-MMM disse...

The Assumption
The dogmas states that "Mary, Immaculate Mother of God ever Virgin, after finishing the course of her life on earth, was taken up in body and soul to heavenly glory." This definition as well as that of the Immaculate Conception makes not only reference to the universal, certain and firm consent of the Magisterium but makes allusion to the concordant belief of the faithful. The Assumption had been a part of the Church's spiritual and doctrinal patrimony for centuries. It had been part of theological reflection but also of the liturgy and was part of the sense of the faithful.
This dogma has no direct basis in scripture. It was nonetheless declared "divinely revealed," meaning that it is contained implicitly in divine Revelation. It may be understood as the logical conclusion of Mary's vocation on earth, and the way she lived her life in union with God and her mission. The assumption may be seen as a consequence of Divine Motherhood. Being through, with, and for her Son on earth, it would seem fitting for Mary to be through, with, and for her Son in heaven, too. She was on earth the generous associate of her Son. The Assumption tells us that this association continues in heaven. Mary is indissolubly linked to her Son on earth and in heaven.
The definition of the dogma does not say how the transition from Mary's earthly state to her heavenly state happened. Did Mary die? Was she assumed to heaven without prior separation of soul and body? The question remains open for discussion. However, the opinion that Mary passed through death as her Son did, has the stronger support in tradition.

Por: Michael Mutinda, 3° Ano – ITESP.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Assunção: Caminho e processo de toda a vida; entrega progressiva à vontade de Deus e seguimento de Jesus, deixando-se assumir e transformar.
Em Maria tudo foi adoração. Ela se deixou invadir progressivamente pela vida Trinitária até o momento em que a glória do Senhor irrompeu em sua fraqueza no mistério da Assunção.
Esse mistério, de fé e vida, nos convida hoje a fazer, com Maria, esse caminho de profunda doação e adoração. Que nossa vida cotidiana, nossas “mortes” e “ressurreições” nos transforme dia-a-dia, até à plenitude de um ser todo de Deus.

Roberta Garcia de Oliveira
Curso de Gestão Pastoral - ISTA

Wagner Ap. Ferreira (V Per. Teol. ISTA) disse...

Maria assunta ao céu, representa o discípulo fiel, recebendo a sua recompensa. Como discípulo, missionários, seguidores de Cristo, dentro de nossa limitação humana, caminhamos rumo ao Pai. Maria assunta é a discípula que fez esse caminhar histórico, esse peregrinar na fé, mantendo fiel ao projeto salvifico do Pai, caminhando junto com o Filho, deixando-se conduzir pelo Espírito. Ela se mantém fiel mesmo na Cruz, recebendo a nova missão de ser Mãe da comunidade.
Ela representa a nossa condição de vida futura, o futuro da Igreja de Cristo, comunidade dos fiéis. Assim como Maria, um dia iremos dormir e acordar no seio da Trindade, pois viemos de Deus e para Ele caminhos. E não será apenas uma dimensão nossa, mas todo nosso ser, o humano na sua totalidade.

Anônimo disse...

Neste domingo nós celebramos a Assunção da Virgem Maria e aproveitamos para rezar pela vida religiosa. Quando ouço os textos da Missa e mesmo os propostos pelo ofício das leituras eu ainda me ponho a indagar sobre tal mistério: como pode a Virgem ser elevada em corpo e alma ao céu? Qual a importância desse dogma dentro da Tradição Cristã? Para muitos isso pode ser credível e tranquilamente aceitável, mas faz um tempo que me faço estas indagações por não encontrar ainda uma explicação plausível. Pois bem! Num destes dias estava na faculdade e um dos meus professores de teologia me disse algo importante. Segundo ele, era preciso entender o momento histórico e o resgate do corpo apresentado pelo Papa Pio XII que, em meio aos horrores da II Guerra, buscava apresentar ao mundo a importância do ser humano como um todo, a dignidade do ser humano frente a tantos horrores realizados. Achei isso importante e acabo tendo mais clareza, com os estudos da Sagrada Escritura, que devemos ter cuidado em assimilar citações comprovativas e ainda mais textos apócrifos sem o devido olhar da ciência bíblica que nos ajuda a desvelar o sentido e a complexidade dos textos sagrados. Por fim, acredito com a Lumem Gentium que Maria "brilha como sinal de esperança segura e de consolação para o povo de Deus ainda peregrinante"(n.68) porque na sua humanidade vivida com fé e vigor soube colaborar no plano divino de libertação.

Felipe Trindade Santos,ofm
Estudante do curso de Teologia do ISTA