Meditemos hoje mais duas três características de José
de Nazaré, apontadas pelo Papa Francisco na Carta Apostólica “Com o coração de
Pai” (Patris Corde).
4. Pai no acolhimento
José acolhe Maria, sem
colocar condições prévias. Confia nas palavras do anjo. «Neste mundo onde é patente
a violência psicológica, verbal e física contra a mulher, José apresenta-se
como figura de homem respeitoso, delicado que, mesmo não dispondo de todas as
informações, se decide pela honra, dignidade e vida de Maria. E, na sua dúvida
sobre o melhor a fazer, Deus ajudou-o a escolher iluminando o seu
discernimento».
Na nossa vida, muitas vezes
sucedem coisas, cujo significado não entendemos. E a nossa primeira reação,
frequentemente, é de desilusão e revolta. Diversamente, José deixa de lado os
seus raciocínios para dar lugar ao que sucede e, por mais misterioso que possa
aparecer a seus olhos. Acolhe-o, assume a sua responsabilidade e reconcilia-se
com a própria história. Se não nos reconciliarmos com a nossa história, não
conseguiremos dar nem mais um passo, porque ficaremos sempre reféns das nossas
expectativas e consequentes desilusões.
A vida espiritual que José
nos mostra, não é um caminho que explica, mas um caminho que acolhe. Só a
partir deste acolhimento, desta reconciliação, é possível intuir também um
significado mais profundo. José não é um homem resignado passivamente. O seu
protagonismo é corajoso e forte.
O acolhimento é um modo pelo
qual se manifesta, na nossa vida, o dom da fortaleza que nos vem do Espírito
Santo. Só o Senhor nos pode dar força para acolher a vida como ela é, aceitando
até mesmo as suas contradições, imprevistos e desilusões. A vinda de Jesus ao
nosso meio é um dom do Pai, para que cada um se reconcilie com a carne da sua
história, mesmo quando não a compreende totalmente.
O que Deus disse ao nosso
Santo – «José, Filho de David, não temas…» (Mt 1, 20) –, parece repetir a nós
também: «Não tenhais medo!» É necessário dar lugar àquilo que não escolhemos e,
todavia, existe. Acolher a vida desta maneira introduz-nos num significado
oculto. A vida de cada um de nós pode recomeçar miraculosamente, se
encontrarmos a coragem de a viver segundo aquilo que nos indica o Evangelho. E
não importa se tudo parece ter tomado já uma direção errada, e se algumas
coisas já são irreversíveis. Deus pode fazer brotar flores no meio das rochas.
E mesmo que o nosso coração nos censure de qualquer coisa, Ele «é maior que o
nosso coração e conhece tudo» (1 Jo 3, 20).
A realidade, na sua
misteriosa persistência e complexidade, é portadora dum sentido da existência
com as suas luzes e sombras. É isto que leva Paulo a dizer: «Sabemos que tudo
contribui para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm 8, 28). E Santo Agostinho
acrescenta: tudo, «incluindo aquilo que é chamado mal». Nesta perspectiva
global, a fé dá significado a todos os acontecimentos, sejam eles felizes ou
tristes. Crer não significa encontrar fáceis soluções consoladoras. Antes, pelo
contrário, a fé que Cristo nos ensinou é a que vemos em São José, que não
procura atalhos, mas enfrenta de olhos abertos aquilo que lhe acontece,
assumindo pessoalmente a responsabilidade por isso.
O acolhimento de José
convida-nos a receber os outros, sem exclusões, tal como são, reservando uma
predileção especial pelos mais frágeis, porque Deus escolhe o que é frágil (cf.
1 Cor 1, 27), é «pai dos órfãos e defensor das viúvas» (Sal 68, 6) e manda amar
o forasteiro. Posso imaginar ter sido do procedimento de José que Jesus tirou
inspiração para a parábola do filho pródigo e do pai misericordioso (cf. Lc 15,
11-32).
5. Pai com coragem criativa
Se a primeira etapa de toda cura
interior é acolher a própria história, ou seja, dar espaço no nosso íntimo até
mesmo àquilo que não escolhemos na nossa vida, convém acrescentar outra
caraterística importante: a coragem criativa. Esta vem sobretudo quando se
encontram dificuldades. Então, podemos ficar imobilizados, abandonar o campo,
ou tentar vencê-las de algum modo. Às vezes, são precisamente as dificuldades
que fazem sair de cada um de nós recursos que nem pensávamos ter.
Ao ler os «Evangelhos da
Infância de Jesus» (Lc 1-2; Mt 1-2), perguntamos: por que motivo Deus não age
de forma direta e clara? Deus intervém por meio de acontecimentos e pessoas:
José é o homem por meio de quem Deus cuida dos inícios da história da redenção;
é o verdadeiro «milagre», pelo qual Deus salva o Menino e sua mãe. O Céu
intervém, confiando na coragem criativa deste homem que, tendo chegado a Belém
e não encontrando alojamento onde Maria possa dar à luz, arranja um estábulo e
prepara-o de modo a tornar-se o lugar mais acolhedor possível para o Filho de
Deus que vem ao mundo (cf. Lc 2, 6-7). Face ao perigo iminente de Herodes, que
quer matar o Menino, de novo em sonhos José é alertado para O defender e, no
meio da noite, organiza a fuga para o Egito (cf. Mt 2, 13-14).
Parece que o mundo está à
mercê dos fortes e poderosos. Mas a «boa notícia» do Evangelho consiste
precisamente em mostrar como, não obstante a arrogância e a violência dos
dominadores terrenos, Deus encontra sempre a forma de realizar o seu plano de
salvação. Às vezes também a nossa vida parece à mercê dos poderes mais fortes,
mas o Evangelho nos diz que Deus consegue sempre salvar aquilo que conta, desde
que usemos a mesma coragem criativa do carpinteiro de Nazaré. Ele sabe
transformar um problema em oportunidade, colocando sempre a sua confiança em
Deus.
Se, em determinadas
situações, parece que Deus não nos ajuda, isso não significa que nos tenha
abandonado, mas que confia em nós com aquilo que podemos projetar, inventar,
encontrar. Trata-se da mesma coragem criativa demonstrada pelos amigos do
paralítico que, desejando levá-lo à presença de Jesus, fizeram-no descer pelo
teto (Lc 5, 17-26). A dificuldade não deteve a audácia e obstinação daqueles
amigos. Jesus reconhece a fé criativa com que aqueles homens procuram
trazer-Lhe o seu amigo doente.
O Evangelho não diz quanto
tempo Maria, José e o Menino permaneceram no Egito. Mas certamente tiveram de
comer, encontrar uma casa, um emprego. Não é preciso muita imaginação para
preencher o silêncio do Evangelho a tal respeito. A Sagrada Família teve que
enfrentar problemas concretos, como todas as outras famílias, como muitos dos
nossos irmãos migrantes que ainda hoje arriscam a vida, pressionados pelas
desventuras e a fome. São José é padroeiro especial para os têm que deixar a
sua terra por causa das guerras, do ódio, da perseguição e da miséria.
Em cada acontecimento que tem
José como protagonista, ele se levanta toma consigo o Menino e sua mãe e faz o
que Deus lhe pede (Mt 1,24; 2,14.21). Com efeito, Jesus e Maria são o tesouro
mais precioso da nossa fé. No plano da salvação, o Filho não pode ser separado
da Mãe, d’Aquela que «avançou pelo caminho da fé, mantendo fielmente a união
com seu Filho até à cruz».
Sempre devemos interrogar se
estamos protegendo com todas as nossas forças Jesus e Maria, que
misteriosamente estão confiados à nossa responsabilidade, ao nosso cuidado, à
nossa guarda. O Filho do Todo-Poderoso vem ao mundo, assumindo uma condição de
grande fragilidade. Necessita de José para ser defendido, protegido, cuidado e
criado. Deus confia neste homem. Maria faz o mesmo: encontra em José aquele que
não só Lhe quer salvar a vida, mas sempre a sustentará, a Ela e ao Menino.
Neste sentido, São José não pode deixar de ser o Guardião da Igreja, porque a
Igreja é o prolongamento do Corpo de Cristo na história e ao mesmo tempo, na
maternidade da Igreja, espelha-se a maternidade de Maria. José, continuando a
proteger a Igreja, continua a proteger o Menino e sua mãe; e também nós, amando
a Igreja, continuamos a amar o Menino e sua mãe.
Este Menino é Aquele que dirá: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40). Assim, todo o necessitado, pobre, atribulado, moribundo, forasteiro, recluso, doente são «o Menino» que José continua a guardar. Por isso mesmo, São José é invocado como protetor dos miseráveis, necessitados, exilados, aflitos, pobres, moribundos. E pela mesma razão a Igreja não pode deixar de amar em primeiro lugar os últimos, porque Jesus conferiu-lhes a preferência ao identificar-Se pessoalmente com eles. De José, aprendendo o mesmo cuidado e responsabilidade: amar o Menino e sua mãe; amar os Sacramentos e a caridade; amar a Igreja e os pobres. Cada uma destas realidades é sempre o Menino e sua mãe.
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